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Acerca da (In)Justiça no SNS

Entre a vergonha e o medo

Acerca da (In)Justiça no SNS

Escreve quem sabe

2023-11-21 às 06h00

Analisa Candeias Analisa Candeias

Que não vivamos de ilusões. Aliás, podemos viver, mas, mais cedo ou mais tarde, as ilusões caem como se fossem um castelo de cartas e a vida, depois disto, pode tornar-se um grande vazio. Pessoalmente, prefiro ter os pés bem assentes na terra, ainda que por vezes a cabeça ande um bocadinho pelas ilusões – só nos fazem bem, ajudam-nos a ser mais criativos. Todavia, viver delas pode tornar-se em algo instável e até perigoso. Mas desenganem-se aqueles arautos da desgraça que vêm declarar que nunca estivemos tão mal a nível social e político: bastará andar cem anos para trás e verificar o estado do país naquela altura, ou até mesmo apenas cinquenta anos, e verificar-se-á de que inconstâncias a história do nosso país se encontra feita. Porém, tudo muda.
Bastará começar esta reflexão pelo Sistema Nacional de Saúde (SNS), que se encontra marcadamente com falta de profissionais de saúde. E, volto a afirmar, o nosso SNS não se compõe apenas da classe médica, mas sim de toda uma panóplia de pessoas que contribuem para a sua qualidade, ou que pelo menos gostariam de o fazer. Embora compreendendo as reivindicações dos médicos em relação ao SNS, há que ter em conta que não são os únicos profissionais de saúde competentes que aí trabalham e que, se houver uma aceitação em relação às suas queixas, então seria tremendamente injusto não ter em conta as queixas de todos os restantes profissionais de saúde que desempenham funções no SNS. Aliás, já me parece de uma tremenda injustiça que os elementos desta classe profissional recebam um abastado salário por realizarem o seu ano comum, ano esse que é obrigatório para que a sua formação fique completa, enquanto que outras classes profissionais, com licenciatura, nem sequer ajuda tenham para os seus anos de estágio – estágios esses que também são obrigatórios para a conclusão das suas formações superiores. Mas desse salário ninguém se queixa.
Ainda assim, penso que a sociedade se encontra bastante atenta a esta situação, porque, além de ser algo tremendamente injusto e não equitativo, revela uma certa preferência e um certo privilégio, e que eventualmente ainda não tinha sido suficientemente destacada até ao momento. Todavia, a sociedade e os elementos que a compõem encontram-se cada vez mais informados, verificando que existem determinadas situações de regalia que não devem ser perpetuadas. No entanto, é um facto que é necessário olhar com mais atenção para o SNS, em particular para a qualidade dos cuidados de saúde que aí se prestam e para a marcada insuficiência de profissionais de saúde nessa esfera, que é uma das ausências mais significativas neste momento. O número de pessoas que trabalha no SNS é manifestamente reduzido, e talvez seja por aí que a ação governativa deva começar. E, já agora, que se comecem a pagar as horas extraordinárias que todos os profissionais de saúde do SNS realizam, e não apenas as de alguns que, mais uma vez, são privilegiados.
Outra situação que merece aqui uma ponderação é a instabilidade dos partidos políticos na conjuntura nacional, que poderá ter sérias repercussões na nossa saúde. Na verdade, tendo em conta que o nosso SNS apresenta uma tendência gratuita, que visa a real promoção da saúde e a efetiva prevenção da doença, há que ter em conta os programas de cada partido quando nos resolvermos a votar no próximo mês de março. Que caiam na realidade aqueles que pensam que todos os programas políticos são iguais: sugiro uma leitura atenta de cada programa político que os partidos apresentam, em particular nos momentos de campanha. Se, por um lado, existe uma forte tendência à privatização, ao privilégio e ao lucro que vem de encarar a saúde apenas como um negócio – o que é legítimo –, por outro lado existe a tendência de encarar a saúde como algo a que todos têm direito, tendência essa que todos nós, os portugueses, temos vindo a sentir como muito confortável. Sou defensora de um sistema misto, onde a saúde pública e a privada coexistam harmoniosamente, porém, quando a sociedade tende (ou cai) em extremismos, existem determinadas práticas que podem deixar de existir, fazendo-nos órfãos de processos aos quais até nem dávamos muito valor, como podem ser o caso das dinâmicas nos serviços de saúde.
Por tudo isto considero que os portugueses devem estar, efetivamente, bem informados. Para que não deixem que o privilégio se mantenha no país, para que os profissionais de saúde do SNS (todos eles e não somente alguns) sejam valorizados e para que os programas políticos escolhidos sejam ponderados, e não levados a um extremo do qual será mais difícil regressar. Obviamente que não sou parcial na minha reflexão, visto que me insiro na classe profissional que mais impacto pode ter na sociedade, que é a da Enfermagem.
Na verdade, os enfermeiros têm vindo a estar bastante tranquilos, na minha opinião, mas é apenas uma questão de tempo. Quando realmente começarmos a fazer parar o país naquilo que é a sua saúde, então talvez a sociedade reconheça o nosso real valor e significado – que tem vindo a ser construído sem privilégio ou facilidades, sem ilusões, num caminho de afirmação científica e profissional, assim como de grande persistência.

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