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Adão, procura-se

Da Importância das Organizações Profissionais em Enfermagem

Adão, procura-se

Ideias

2020-01-05 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Vivemos sob o signo da catástrofe iminente. Há de ser castigo, não no sentido de penalidade infligida por descontente divino, que sempre foi produto da nossa imaginação, como bem sabemos.
Escrito ao contrário, diria que, de início, achando-se o homem extasiado consigo e com a concha luxuriante em que tinha matriz, deu, pois, em supor a existência de um deus, singular ou colectivo, à metade decalcado de si, à metade intangível, que respondesse por acabada perfeição. O equívoco estendeu-se por milénios.
Nesses tempos de fábula, se chovia até que o solo mais não absorvesse, inundando por dias e afogando por exaustão, lá vinha a explicação simplista de um dilúvio por fúria celestial. Se acaso um tremor de terra ou erupção vulcânica semeavam devastação, lá caiam os homens em similar fantasmagoria, com infernos e maldições extensivas a povoados inteiros. Conservamos exemplos em poéticas especulativas e nos textos ditos sagrados, e isso é o que está escrito, porque as teogonias orais hão de ser anteriores.
Fruste explicação, transitoriedades da terra e dos céus aplacadas com bodes expiatórios, bonanças mendigadas com virgens e cerimónias rezadas. Bons tempos! Pior estamos hoje, sabendo que as desgraças resultam do nosso desleixo e imprevidência, dos caprichos do magnetismo terrestre e da actividade da coroa solar: há lá procissão ou holocausto que possamos encenar para comprazer El Niño!
Há males que vêm por bens: se não há deus que meta colher, o faqueiro é mesmo connosco, e não adianta espernear. Temos meios para distinguir os agravos que dependem de nós, separando-os daqueles que alheios são às nossas exacções. Podemos suprimir e conter os efeitos perniciosos dos agentes de segunda ordem – os humanos – e podemos organizar as nossas vidas de modo a minorarmos o impacto dos factores de primeira ordem – os inerentes às oscilações do planeta e do universo. Sabemos tudo? Podemos prever tudo? Não, claramente, mas a devastação das florestas tropicais tem nomes e contas bancárias, e os fogos, que se encadeiam por meses, não resultarão de raio atirado à toa por um zeus mal-humorado.
Os pulsares da terra não se compadecem com romarias, do mesmo modo que os fogos florestais não afrouxam só porque um ministro determina que se puna com coima quem não limpa a 50 passos à volta de casa. As águas que enchumbam a terra, porque paradoxo são fonte de pesar, se do Nilo aguardavam os egípcios antigos as cheias anuais, regenera- doras, fertilizantes, se floresceram, as cidades da civilização do Indo, acumulando para um ano as chuvas de três meses de monção?
Mundos perdidos, dir-se-á, não obstante um punhado de previdências básicas. Sim, por muitos pecados se perde o homem, e se afunda o que por bom tempo ele cria. Precisamos de um Adão que reassuma o paraíso, que o conserte. De uma legião de Adões, talvez. Precisamos de um festival anual para louvar, por bens, e para ostracizar, por maldades cometidas. Precisamos que os demónios tenham cara, e que os custos do progresso não valham por escudo, sonífero e água benta.
Precisamos de avanços, não de contorções. Precisamos que o crime deixe de compensar, que a depredação de recursos deixe de beneficiar de amnistias associadas às vantagens imediatas. A este propósito, por contraste a muita multinha passada a Zés e Marias sem vintém, me interrogo porque teria o senhor Centeno abdicado de cobrar a taxa às celuloses. Se calhar até era uma medida estúpida, ou então, a celulose manda mais, e os eucaliptos e as descargas que o Tejo bem conhece.

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