A viagem entre a primeira e a última página de um livro
Ideias
2018-05-21 às 06h00
Há muito que acredito que a palavra depende é intrínseca ao território e verbo conjugado obrigatório para quem pensa, actua e age sobre este mesmo território.
Acredito que, muitas vezes, seja difícil aceitar ou compreender tal. Mas, não deixo de acreditar que é esta dependência do contexto e da regra, da política e da opção, da técnica e da interpretação que faz da gestão do território tão aliciante quanto arriscada e exigente. Porque, seja como seja, depende(rá) sempre da nossa capacidade e da nossa qualidade, sejamos emissores ou receptores urbanos.
Nos últimos tempos, surgem visíveis e divulgados exemplos vários de intervenções no território que demonstram o quanto o depende está presente, quer no modo de contextualização e rotulação da operação urbanística, quer na sua interpretação e entendimento.
Sem querer entrar no campo da análise qualitativa das intervenções, elege-se três exemplos de igual natureza, mas diferentes tempos e contextos de concretização: o mercado do Bolhão (Porto, que agora se inicia a sua requalificação), o fórum Braga (Braga, que agora termina a sua renovação) e o parque de estacionamento de Camões (Guimarães, que se encontra em construção).
E o que nos mostram estes três exemplos?
A requalificação do mercado do Bolhão devolverá à cidade um edifício preparado para as exigências de vida comunitária actuais, um mercado de frescos técnica e higienicamente contempo- râneo e um melhorado ícone turístico. Apesar do esforço em aliar respeito patrimonial e sabedoria técnica na construção, a solução não se afigura consensual, discutindo-se o quanto a nova solução esventra o património, o quanto a nova infraestrutura técnica de suporte é contraditória, o quanto o redesenho da forma das coberturas interiores é oposta à preservação e valorização do existente.
O fórum Braga dotará a cidade de Braga de um equipamento poderoso de afirmação económica, turística e social, configurando uma solução que, aparentemente, é consensual, atreve-se mesmo a dizer, unanimemente consensual. Todavia, e na perspectiva do autor deste texto, não deixa de ter sido oportunidade visível de promover a ligação efectiva do parque da Ponte e parque das Camélias ao rio Este, aproveitando para afirmar este mesmo recurso hídrico como protagonista urbano e gerador de urbanidade. Na verdade, esta que parece ser uma realidade exposta (que as expressivas paredes brancas do edifício voltadas para o rio e o extenso tapete cinzento de betuminoso tão visibilizam) não aparenta ser motivo de reflexão. Ficará eventualmente escondida no pensamento de quem vê e sente
O parque de estacionamento de Camões é, porventura, aquele gerador de maior polémica e carácter transformador (no sentido físico do termo). Modificando um interior de um quarteirão, introduzindo novas vivência e apropriação do espaço, projecta incrementar (qualidade) de espaço público e melhor mobilidade sem evitar (antes pelo contrário) que se questione a solução na sua integralidade e incorporação no tecido urbano, o seu contributo para uma melhor mobilidade municipal.
São três exemplos transformadores de cidade que os vemos sempre na nossa perspectiva. E que, por isso, são sempre dependentes. E nunca imparciais.
Todavia, há sempre traços comuns e seguros que podemos identificar.
Mesmo não aparentando, são todos operações de reabilitação. Ora por força de requalificação, renovação ou construção, nunca partem da folha branca. Partem sempre de território existente e transformado. E, por isso, fazem sempre parte do processo. Nunca sendo resultado final. Nem ponto de partida virgem.
A todos são subjacentes opções de modelos de cidade e opções estratégicas, representando formas de ver e concretizar a cidade, fazendo caminho muito para além de um quadro imagético que se cristaliza no tempo.
Por tudo isto, são reflexo de política e do seu exercício. E por tudo isto, são factores de esperança que o futuro possa ser melhor. Mesmo que não sejam o ideal. Mesmo que não sejam unânimes. Porque fazem parte do processo que é a construção da cidade (que se renova, que se questiona, que se transforma e corrige).
E este parece ser a grande lição destes três exemplos: Dependem de quem os promoveu, desenvolveu, os apropriará, demonstrando que a cidade não se faz do ideal, mas de opções que implicam risco, privilegiar caminhos em detrimento de outros Dir-se-á que estes três exemplos dependem de quem os vê e entende. Dir-se-á que sim. E, por isso mesmo, a cidade é tão interessante. E a discussão sobre a cidade é tão apaixonante e acesa.
Porque depende de todos, assim todos saibam exerce-la em nome do seu bem comum.
18 Abril 2025
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