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AM ou FM? (I)

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AM ou FM? (I)

Ideias

2020-06-09 às 06h00

João Marques João Marques

Não se trata da alternativa entre a amplitude e a frequência das ondas eletromagnéticas por onde o som é transmitido, mas as variáveis ajustam-se à reflexão que há vários anos venho fazendo sobre a dignificação das Assembleias Municipais e que muitos outros já problematizaram de forma bem mais profunda e relevante.
O órgão Assembleia Municipal (AM) vem previsto na Constituição da República Portuguesa (n.º 1 do artigo 239.º) e as suas competências encontram-se concretizadas nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais. Apesar de um elenco extenso, uma leitura minuciosa dos preceitos citados dá-nos nota evidente de que essas competências se estreitam naquilo que o legislador considerou ser um justo equilíbrio entre a esfera deliberativa das Assembleias e a natureza particular dos executivos municipais. Lembremo-nos que desde a instituição do poder local moderno, com a Constituição de 1976, sentiu-se ser importante refrear tentações mais absolutistas no exercício dos cargos políticos. Tal foi conseguido com recurso a soluções, no mínimo originais, como a integração de vereadores da oposição na equipa formada por quem ganha as eleições. É por isso que hoje continuamos a ter, com assento nas reuniões de Câmara, os vereadores dos partidos ou movimentos que perderam as eleições. Imaginem o que seria termos ministros da oposição (sem pelouro) nas reuniões do Conselho de Ministros!

Este desenho apenas se pode admitir como lógico num país e num sistema que sinta ainda medo das tentações de abuso no exercício do poder. Sem prejuízo de eventualmente existirem modelos semelhantes em países democráticos que partilhem esta organização do poder político local (o que desconheço), colocar no seio do governo os elementos que perderam as eleições subverte o espírito do voto popular. A criação deste travão auxiliar à gestão das autarquias pela maioria vitoriosa podia ter-se por admissível nos idos de 76, com a experiência democrática insipiente e o risco da reversão dos ganhos de Abril de 74 ainda muito presente. Hoje, parece-me absolutamente anacrónico persistirmos nesta opção que, ademais, menoriza quer os executivos, quer as Assembleias Municipais.

Por um lado, continuamos com um governo municipal que simula uma realidade virtual em que vereadores de diferentes partidos, da maioria executiva e da minoria opositora, coabitam porporcionalmente num único órgão. Isto é totalmente desmentido pela realidade dos factos, em que o desfasamento de meios e de papeis entre quem governa e quem faz oposição não poderia nunca ser ultrapassado pela ficção legal criada. A meu ver, é desprestigiante consagrar de modo institucional o papel de “polícias (os vereadores da oposição) e ladrões (os que governam)” a cada um dos lados, sobretudo quando essa presunção afeta a honradez de quem governa e coloca um ónus desproporcionado sobre os ombros de quem fiscaliza.

E aqui chegamos ao meu segundo ponto, quem politicamente fiscaliza a atuação de quem governa, no esquema tradicional das democracias liberais, é o órgão deliberativo e representativo do povo – a Assembleia.
No caso português, a Assembleia Municipal acaba por assumir um papel híbrido, tal como sucede no governo autárquico, em que a prerrogativa de fiscalização está lá, mas vem já mitigada pelo trabalho efetuado na discussão ocorrida em sede de reunião de Câmara. Não raras vezes, as Assembleias Municipais são uma transmissão em diferido dos argumentos esgrimidos nessa primeira reunião, pelo menos no que toca aos principais partidos. Reconheço que, para partidos representativos de eleitorados mais pequenos, a AM mantém-se como espaço primeiro de debate e sancionamento das políticas do executivo, mas tal não deslustra o argumento de que, até por isso, dever-se-ia alterar o modelo, por forma a não existir oposição de primeira (a que pode intervir nas reuniões de Câmara e nas AM) e de segunda (a que apenas intervém na Assembleia.

Depois, a iniciativa parlamentar, também ela um corolário da representatividade popular encontra-se francamente diminuída, já que à AM nem sequer se re- conhece a capacidade, de per si, propor e aprovar regulamentos do município com eficácia externa, limitando-se a “aprovar” aqueles que lhe são sujeitos pela Câmara Municipal para apreciação. É certo que esses regulamentos se reportam, na sua maioria, a matéria relativa ao dia-a-dia do executivo, mas não é assim também que sucede com muitas das matérias sob reserva da Assembleia da República quanto às funções do Governo da nação? E choca ver como se possa, sem mais, excluir das competências da AM, a iniciativa “legislativa”, porventura a mais marcante e significativa de qualquer assem- bleia representativa.

A opção sobre se queremos uma verdadeira Assembleia Municipal ou uma mera Formalidade Municipal deve-nos levar a refletir profundamente sobre estas e outras questões agora que estamos a pouco mais de um ano de eleições autárquicas e podemos, ainda, projetar mudanças significativas que aprimorem o paradigma de gestão dos municípios e dignifiquem os eleitos locais.

(Continua)

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