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Escreve quem sabe

2024-11-30 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

«Quando a liberdade de expressão
nos é tirada, logo poderemos ser
levados, como ovelhas, mudos
e silenciosos, para o abate.»

George Washington
(1.º presidente norte-americano, 1789 a 1797)


Chega hoje ao fim um dos meses mais aguardados das últimas décadas. Parte do Mundo caminhava no limbo na esperança de não voltar a ver como inquilino da Casa Branca o excêntrico presidente Donald Trump. Ao invés, sucedeu uma vitória em toda a linha: Colégio Eleitoral, maior número de votos, controlo do Senado e a maioria na Câmara dos Representantes. Uma passadeira vermelha abraçada pelo poder e por muito dinheiro injetado como foi exemplo os 130 milhões doados pelo não menos excêntrico Elon Musk, dono de uma fortuna próxima dos 300 mil milhões de dólares.
Este assalto ao bom senso teve a bênção de milhões de americanos e de ases de trunfo espalhados por países capitais. No baralho temos o líder russo, Vladimir Putin; o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu; o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e outros como a francesa Marine Le Pen, rosto maior do partido Rassemblement National, e Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia. Um cordão de força que coloca no vermelho a tensão de um Mundo cada vez mais intolerante.
Isto tudo acontece a um homem que, pela primeira vez, em 235 anos de história – desde que George Washington viu confirmada a sua eleição como primeiro presidente dos Estados Unidos da América, em 1789 – uma maioria de eleitores norte-americanos elegeu para liderar o país um antigo presidente que já tinha sido destituído duas vezes pela Câmara dos Representantes (sem confirmação pelo Senado), perto de uma centena de acusações criminais nos últimos 20 meses, considerado culpado de agressão sexual e difamação e que aguarda a leitura da sentença num processo de falsificação de documentos, pelo qual foi condenado há meio ano.
Um cocktail explosivo que tinha tudo para correr mal no seio republicano. Não correu. A agulha virou em sentido contrário e picou o ponto em tudo que era improbabilidade. Derrota das sondagens e de quem ainda acredita que na política há uma causa e uma consequência natural.
Eis o homem de novo na arena. Um regresso ufano depois de ter sido responsabilizado nas urnas, em 2020, pela forma como geriu a pandemia da Covid-19 e de ter orquestrado um plano para se manter na Casa Branca que culminaria com a invasão do Capitólio por apoiantes seus, a 6 de janeiro de 2021. Ei-lo com 78 anos e 220 dias na data da tomada de posse, a 20 janeiro de 2025, como o mais velho de sempre deixando para trás Joe Biden por 159 dias.
Quem nunca foi à América admito que tenha mais dificuldade em entender esta teia que, aos olhos do europeu, é de uma complexidade bizarra. A começar pela figura pouco ortodoxa de Trump que não pede licença para falar. Porém, quem pisou chão americano fica com outra noção dos valores e do que verdadeiramente é valorizado. É nesta nudez de consciência que o triunfo republicano assentou. O agora presidente falou o que o americano gosta de ouvir. Frases curtas que entram no ouvido. Temas do dia a dia. Os pilares da campanha – economia, imigração e política externa – foram músicas que embalaram os olhos da típica franja americana: homem, maioritariamente branco, sem frequência universitária, morador em zonas rurais ou suburbanas, com idade entre os 45 e os 65 anos.
Se em 2016 parte do Mundo olhou para Trump como um outsider que destilou um programa nacionalista, populista e extremista em contraponto com a tradição conservadora, globalista e civilizada, nada de igual acontece no momento. Basta ver os disparos económicos do dólar, as criptomoedas e os futuros de Wall Street. Esta injeção económica é explicada pelas promessas da campanha: expandir a produção de energia, abrindo áreas como a região selvagem do Ártico à perfuração de petróleo; reduzir os custos da habitação, evitando que alguns imigrantes sem documentos obtenham hipotecas; lançar um programa de construção de casas; reduzir os impostos sobre as empresas; isentar gorjetas e abolir o imposto sobre pagamentos da Segurança Social. No arrasto, em matéria de imigração, após ter mandado construir o muro na fronteira com o México, Trump prometeu completar a obra e aumentar a fiscalização. Anunciou, também, as maiores deportações em massa de migrantes clandestinos na história dos Estados Unidos. Na saúde obrigou-se a flexibilizar as regulamentações das seguradoras.
Escrito de outra forma, o regresso de Trump escancara a porta a um programa de cortes em despesas, a começar pela educação, à expulsão de imigrantes e a tomar o controlo dos vários níveis de poder federal, caso da justiça, FBI incluído. Com este quadro, há muitos que defendem que o farol da democracia americana foi sugado ao mesmo tempo que há um outro leque que faz fé na batuta de jornalistas, magistrados, servidores públicos, académicos, artistas e milhões de cidadãos a lutar pelo seu brilho.
Apesar desta disrupção evidente, não podemos negar a força e os valores de um país singular, com uma vasta extensão territorial e uma tremenda diversidade cultural e étnica, estendida por uma pluralidade natural alicerçada no relevo, clima, fauna e flora.
Dito isto, o regresso de Trump à Sala Oval – por entre a invasão ao Capitólio, um impeachment e processos judiciais – representa a vitória do populismo, ideologia camaleónica, adaptável e capaz de se infiltrar noutras correntes. Uma maleabilidade, sem compromisso e que está selada no voto de 75 milhões de americanos. Neste encalço, uns projetam a erosão da democracia à custa do combustível sem freio de um homem imprevisível, outros olham para este tempo como uma oportunidade de reerguer uma Europa sem liderança e em plena guerrilha, travar o desnorte do Médio Oriente e regar o Terceiro Mundo com esperança.
Vivemos um tempo de opacidade. É difícil parar para ouvir. O silêncio morde. Acreditar no outro é uma tômbola. Raro é o momento de paz contínua. Nada nos parece satisfazer. Está assim a terra. O céu, esse, há muito que dá indícios de uma insustentável cólera. Oxalá esteja enganado em pensar que estão para chegar os sinais de que a natureza há muito padece. Quando vierem não há “Make America Great Again” que nos valha.

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