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Braga, segunda-feira

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Angústia de uma morte com data marcada, de Manuel Correia

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2010-08-08 às 06h00

Escritor Escritor

Quando a minha mãe morreu, eu sabia que ela ia morrer. Como qualquer um de nós, sabemos que, vamos morrer um dia! Apesar de a vida ser um estado de anestesia, com algumas brechas de lucidez, temos a virtude de não sabermos, quando vamos morrer?
O caso da minha mãe, foi de mais uma trágica vítima de cancro. Num dia está tudo bem. No outro dia vai tudo pela água abaixo. É nestas ocasiões que damos valor à vida.

É nestes momentos que sentimos que não somos nada: zero. Foi o que aconteceu com a minha mãe. Um dia não tinha nada. No dia seguinte, tinha um cancro maligno, no intes-tino grosso. É caso para dizer, “mas que grande merda”. Tinha apenas cinquenta e três anos! Mas mesmo assim, e, sem piedade, o maldito cancro todos os dias a foi devorando. Todos os dias, como um relógio a descontar o tempo de vida. Nos últimos três meses de vida, o sofrimento era tal, que deixei de acreditar em Deus.

Várias vezes me questionei: porquê? Uma mulher singular, uma mulher de Deus. Um Deus que a deixou abandonada: no sofrimento, na angústia. Eu, perdido no mundo e angustiado, vivia num corpo de alma destroçada, não sabia o que estava certo? Para mim, tudo não passavam de mentiras, de farsas. Tudo estava errado. A vida era um erro, um jogo de xadrez, jogado pelos deuses à distância. Tudo que tinha aprendido estava em causa. Não tinha so-nhos, ou se os tinha desapareceram no túmulo. No meu túmulo. Depois de muito sofrimento, a morte: negra e fria. A morte: o mal, o bem!

O mal pela perda, pela tristeza, pelo desaparecimento de um corpo de que tanto gostava. Uma ferida que fica para toda a vida: no pensamento, na alma. O bem: o fim do sofrimento, neste mundo. Porque quem fica, e, como o mundo não pára, e só pára para quem morre, o sofrimento a alegria continuam até à morte.            

Como dizia no inicio, eu sabia que a mi-nha mãe ia morrer devido ao cancro que a consumia. Foi então que, um ano antes: num teste de português do oitavo ano, de um curso nocturno e, como anexo do teste: uma composição. Enquanto escrevia todo o conteúdo, era como tivesse vivido um ano futuro, e voltasse para relatar a triste história, um ano antes. A história que sabia que ia acontecer. A história que gostava que fosse mentira.

A verdade é só uma, a mentira pode ser uma infinidade de versões. No dia da entrega do teste e respectiva composição, o professor entregou todos os testes e todas as composições, excepto a minha composição. A composição de uma história verdadeira. A composição do meu sofrimento. Aquela que estava nas mãos do professor de português. As duas mãos do professor. A composição nas suas mãos. Olhou para a plateia: eu, o meu colega de carteira e todos os outros colegas. Agarrando bem aquela pequena fo-lha de papel A4.

Disse: tenho aqui esta composição que, deixei de propósito para ser entregue no fim, para que todos a possam ouvir. Entretanto, pediu-me permissão para a poder ler. De imediato aceitei, e, confesso que fiquei admirado! O professor antes de a ler acrescentou que era uma composição: com princípio, meio e fim. Um exemplo para todos. Enquanto o professor lia a história: o dia da morte da minha mãe: Uma manhã como todas as manhãs; um galo a cantar; o silêncio da paisagem; uma terra perdida no horizonte; um grito ecoou por fim.

Os meus sentimentos: um misto de orgulho e de tristeza. Enquanto o professor lia: o meu coração batia, batia, batia, e sempre a bater mais depressa. Finalmente, quando o professor acabou de ler a minha composição: o meu coração batia, batia, até que deixei de o ouvir bater. Continuava a bater, mas agora só com uma emoção: a tristeza. A tristeza de saber que aquela era uma história verdadeira. No fim de ler a minha composição, o meu professor de português, deu-me a composição para as minhas mãos, e voltou a elogiar-me pelo magnífico trabalho de nota máxima. Pelo trabalho do qual nunca soube que viria a ser uma história verdadeira.  

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