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Escreve quem sabe

2021-09-19 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Nos últimos dias os media franceses fizeram eco de dois estudos de teor socio-emocional.
Num caso – e precisando números – referenciava-se que monoparental é uma de cada quatro famílias, eufemismo sociológico para mãe com filhos a cargo.
Totalmente distinto, mas congruente com o primeiro, é o mal-estar evocado no segundo levantamento, e aqui, por pudor, abstenho-me de detalhar estatística catastrófica.
Debruçava-se a segunda pesquisa sobre a desorientação de jovens e jovens adultos do género masculino. Perdidos de todo, sem perceberem lugar nem papéis, sem conseguirem formar perspectiva valente de si que os projecte no futuro.

Comentários à margem sobre a emasculação, sobre uma diabolização de tudo o que rescenda a homem sem folhos.
Discussão que não corre exclusivamente no terreno do antagonismo homem-mulher, do tirano e do subjugado em desaguisado multimilenar. Discussão que entra desabridamente pelo erro gravíssimo de exaltar uns, pelo inverso do que outros por grosso se achincalha, a contraluz de passados exumados.
Truque de prestidigitador. Em que pensamos nós nestes dia? Em torno de que drama social nos mobilizamos? Recordemos o tempo em que a clivagem nuclear era entre capitalistas e proletários, entre exploradores e explorados: contra quem nos levantávamos? Quando o fazíamos, porque muitos o achavam inútil, que se imperfeito era o mundo, assim o havíamos recebido, e no mesmo desconcerto o deixaríamos.

Em que sentido mudou o mundo de lá para cá? Para melhor? Ilusão que ninguém tem! Terceira auscultação: a maioria dos franceses considera viver pior do que há dez anos. E compara com o declínio derivado da crise do subprime. Outro dado: um em cada dois franceses faz o último terço do mês à rasca, calculando precisar de um acréscimo da ordem dos quinhentos euros para aguentar as pontas.
Não, o ordenamento social não conheceu melhorias de noventa para cá. Não, as desigualdades não se esbateram, e que o digam aqueles que hoje se podem permitir a divertimentos que outrora exigiam investimentos a nível estatal, tipo passeios na estratosfera.

Que do expresso não se depreenda que execrável entendo o que ao Capital respeita. O ponto em questão, verdadeiramente, é que se hoje tudo apresenta piorias, não podem as pessoas sentir senão um mal-estar corrosivo. Mas eis que, pelo tal passe de mágica, damos por nós a combater desigualdades de género, damos por nós a advogar a pleno espírito em favor de cambiantes que pessoa elegante deva guardar para si.
Revoltas de que nos abstemos, se entretidos andamos com miudezas. Eu só me pergunto: mas a quem convém que consagremos vidas a aspectos acidentais, perdendo de travar combates relevantes? Quão sintomática de desagregação social é a violência dita de género, por comparação com as violências de Estado, de Classe? Sim, porque as classes não se extinguiram, salvo desatenção minha.

Desengane-se o conivente que aposta na racionalidade implícita da mole social, o acobardado que preconiza a bondade dos Estados, o ensonado que aspira a repartições equitativas. Quimeras, pelo que não haja memória de que assim tivesse sucedido alguma vez, e porque não se forme a menor suspeita de que tal possa acontecer por astral combinação.
Tanto estudo para nada. Discussões que se centram na árvore doente, não na floresta seriamente comprometida. Brincam as sociedades com o fogo, imaginando que possam sobreviver incólumes às fracturas que promovem e hipertrofiam. Sobreviverão, dentro dos presentes parâmetros, tranquilamente, enquanto andarmos de roda de questões de lana caprina.

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