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Apagão de Estado

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Apagão de Estado

Escreve quem sabe

2025-05-17 às 06h00

João Ribeiro Mendes João Ribeiro Mendes

Embora tenha ocorrido há menos de um mês, já é possível encontrar na Wikipedia uma entrada intitulada “Apagão na Península Ibérica em 2025”, referente ao incidente de 28 de abril, que durou cerca de 11 horas e afetou aproximadamente 75 milhões de pessoas. A designação, no entanto, não parece inteiramente correta, já que os efeitos se estenderam também a Andorra, ao sudoeste de França e a algumas áreas no norte de Marrocos. Curiosamente, o mesmo artigo remete para outra entrada: “Apagão no Chile em fevereiro de 2025”, que teve a duração de cerca de 7 horas e afetou 98,5% da população do país – mais de 19 milhões de habitantes. Recuando uma década, encontramos um caso semelhante: em 31 de março de 2015, a Turquia, com 70 milhões de pessoas, ficou às escuras.
Este tipo de ocorrência – o “apagão” (blackout) –, é definido pela Electropedia: The World's Online Electrotechnical Vocabulary como um “estado dentro de uma área determinada de uma rede de distri- buição de energia elétrica, ou da rede elétrica completa, caracterizado pela perda total de energia elétrica”.
Antes e depois do apagão da Turquia registaram-se muitos outros, de maior ou menor dimensão. Contudo, os três episódios mencionados têm, pelo menos, dois aspetos em comum: colocaram na penumbra países inteiros e, até ao momento, não há indícios consistentes de que tenham resultado de ações terroristas.
Quanto às suas causas, sabe-se que os apagões da Turquia e Chile foram provocados por falhas técnicas em componentes dos respetivos sistemas elétricos nacionais, que desencadearam efeitos em cadeia a ponto de comprometerem o funcionamento integral das redes. Já o que ocorreu na Península Ibérica e arredores ainda está por esclarecer. Teremos de aguardar pelo relatório de uma comissão técnica independente – já condicionada, em certa medida, pelas declarações do primeiro-ministro que no dia seguinte, 29 de abril, apressou-se a classificar o episódio como uma ocorrência “grave, inédita e inesperada”. Esta última palavra teve claramente o intuito de alijar responsabilidades.
Entretanto, Ana Estanqueiro, investigadora do Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia, afirmou em entrevista ao Público (2/5/2025) que episódios semelhantes ocorridos em 2016 e 2021 já tinham motivado alertas – que, segundo ela, foram completamente ignorados pelas nossas autoridades.
Sendo auditor de Defesa Nacional – do mesmo curso, o inesquecivelmente brilhante CDN39, do qual também fez parte o atual Ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte –, causou-me estranheza que ninguém do Instituto da Defesa Nacional, esse verdadeiro centro de reflexão estratégica, tenha sido chamado aos palcos mediáticos para comentar e analisar o sucedido. É que, sobretudo nos cursos de gestão civil de crises aí ministrados anualmente, são precisamente cenários adversos deste tipo que se simulam, existindo, por isso, uma reserva valiosa de conhecimento prático sobre como lhes dar resposta de forma eficaz.
O mais relevante no sucedido, porém, não foi apenas a extensão ou duração do apagão, mas a gravidade de, durante quase meio-dia, o governo não ter conseguido comunicar com os cidadãos, entre si ou com os restantes órgãos de soberania. Ficou a nu uma fragilidade crítica: a vulnerabilidade absoluta das nossas infraestruturas de comunicação em situações de colapso energético.
Num cenário de crise real – militar, cibernética ou climática – esta falha comprometeria a resposta do Estado e a própria continuidade do exercício democrático. Não pode, por isso, ser encarada como mero contratempo técnico.

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