A responsabilidade de todos
Voz aos Escritores
2020-09-25 às 06h00
Haverá muitas listas, inúmeros balanços e reflexões intermináveis a fazer sobre este tempo suspenso que vivemos. Tempo suspenso de reencontros, de afetos, de abraços. Um vírus verdadeiramente anti-proximidade, anti-carinho, anti-pele. Podem dizer-me que há muitas formas de demonstrar afeto e carinho, à distância, pela palavra, pela voz, com todas as tecnologias disponíveis e ainda bem que existem e que mitigam esta desgraceira emocional. É verdade, já as usei todas e acreditem que sou criativa em ver o lado positivo das situações e reconhecer poemas onde muitas vezes há apenas a praticidade das rotinas e urgências.
Muitos de nós, como eu, estão fartos deste vírus pelo que nos rouba da existência a que fomos habituados. Somos um povo do sul da europa, sou nortenha, crescida em afagos e aumentada em afetos. Mais do que as dificuldades ou privações económicas, o toque e o abraço, o convívio alegre e sem medo está a fazer-me mais falta do que o oxigénio que a máscara me tira diariamente.
Posso abrir a boca para dizer que estou farta do distanciamento social ou de segurança, de passar o tempo escolar mais como polícia de medidas anti-natura, anti-expressividade de emoções, anti-partilhas, anti-alegria-da-infância. Que bom seria se pudesse varrer o vírus a gritar que quero abraços dos meus, dos menos meus, de estranhos, de todos.
Em abril e novamente por estes dias recebi uma mensagem da ARSNorte com informação de um número disponível das 8h às 20h, caso precise de apoio psicológico. Imagino que haja muita gente a ligar, muita gente a precisar. Finalmente olhamos com mais atenção para a saúde mental como parte integrante da saúde do corpo. Haverá uma lista rigorosa de necessidades, um levantamento com mais ou menos urgências a ser feito país fora. Haverá também uma lista dos mais válidos e valiosos ao longo deste tempo, que estiveram sempre onde foram necessários sem fraquejar, a dar o melhor de si. E serão muitos a louvar. Falta ainda uma lista dos que morreram por causa do Covid, sem o terem contraído. Por medo de procurar ajuda médica ou por a terem procurado e não a terem encontrado acessível.
Mas há também uma lista a fazer das vítimas, das que mais sofreram e não estou a falar dos mortos. (Desculpem-me esta forma de frieza que tem como base uma medida temporal.) Nem dos recuperados com longos meses de tratamentos e terapias várias. Não estou a falar dos avós separados dos netos, a viveram nas suas casas e a verem os familiares pela janela. Não estou a falar das crianças confinadas, dos pais em teletrabalho com várias realidades a gerir em pouco mais de 100m2.
Estou a falar dos idosos nos lares, onde por muitos cuidados e carinhos que tenham, e muitos têm pessoas com uma dedicação extraordinária, estão há mais de 6 meses privados de sair, de mudar de ares, passear na rua, ir até à praia, conviver com a família mais próxima, simplesmente descer a rua com o sol a aquecer o corpo. São os que terão menos tempo de vida e por isso mesmo mais urgência nesta matéria. Estiveram 2 meses sem visitas. Estão agora com visitas curtas, semanais, à distância ou através de um vidro. É o possível. É o seguro.
Muitos estão tristes. Resignados a uma realidade que não sabem como ultrapassar. Uma tristeza que se vai instalando no corpo, nuvens nos olhos, rugas penduradas à espera de outros olhos, de outros abraços. À espera de uma liberdade que lhes foi roubada com legitimidade, mas contra vontade. Não conseguem compreender. Outros estão revoltados. Indignados, vociferam como podem contras as regras, questionam medidas, estruturam a lógica em causa assente noutros pilares. Destilam o sofrimento em forma de uma raiva entre dentes, uma insubmissão que lateja em cada poro. É um garrote a prender-lhes as pernas, sem eles controlarem. Acho que é fácil perceber em qual destes grupos se insere a minha madrinha.
Estas vítimas covidianas é que precisavam de um grupo de intervenção para ontem. Isso e uma vacina.
15 Março 2024
08 Março 2024
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