Guterres: antissemita e russófilo?
Ideias
2011-03-03 às 06h00
A reunião de quarta-feira entre José Sócrates, Teixeira dos Santos e a Chanceler alemã Ângela Merkel, soa ao que muitos já vaticinam como a derradeira tentativa do governo para demover a Alemanha da sua posição intransigente quanto a um reforço do fundo europeu de estabilidade financeira que permitisse maior apoio aos países mais frágeis da zona euro.
Será pois uma tentativa de convencer a Alemanha de dois resultados que muitos analistas dão por incertos: o de que iremos conseguir resistir à contínua subida das taxas de juro até à Cimeira de 25 de Março, e o de que os resultados da cimeira serão suficientemente positivos para aplacar a fúria dos mercados financeiros, mediante a aprovação de novas regras de funcionamento do FEEF.
A situação neste momento parece ser a de iminente desistência do governo Português, uma vez que quer a Grécia, quer a Irlanda, claudicaram ao fim de duas semanas em que as taxas de juro se mantiveram na ordem dos 7%, e Portugal vai agora para o décimo sétimo dia com taxas de juro que já chegaram a ultrapassar a faixa dos 7,5%. Mas à hora em que escrevo, tarde de quarta-feira dia 02, ainda nada se sabe dos resultados do encontro agendado. Quem sabe amanhã (hoje portanto, para quem agora lê a crónica) não haverá notícias fantásticas? Altamente improvável, digo eu que até acredito em milagres.
Ao contrário de outras opiniões, não vejo todavia neste gesto do governo português nenhum acto de humilhação nacional, nem o resultado infeliz da sua atitude de resistência à vinda do FMI, que muitos têm apelidado de arrogante e errada. Trata-se antes de uma manobra perfeitamente inteligível à luz do que é afinal a lógica do poder político.
O problema é que faça o governo o que fizer, dificilmente surtirá os efeitos ambicionados.
E assim há-de ser porque, já todos o sabem, Portugal não passa de um side-effect, de um mero dano colateral cuja queda interessa à Alemanha e a outros grandes contribuidores líquidos da União, na exacta medida em que permitirá que fique por aqui a pandemia da crise, evitando o seu alastrar a outros países esses sim muito mais importantes para a estabilidade quer da zona euro, quer, numa perspectiva mais ampla, para a saúde do próprio projecto europeu. É o caso claro da vizinha Espanha.
Não valerá pois muito a pena insistir nos argumentos que a todos nos parecem mais do que razoáveis: o de que pouco ou nada mudou na Grécia e na Irlanda pós-ajuda externa, estando hoje como ontem a enfrentar a desconfiança dos mercados; o de que não obstante as nossas dificuldades estruturais não somos equiparáveis em incompetência e lata à Grécia; ou o de que o FMI não viria com certeza conseguir impor medidas mais austeras do que as já aplicadas e do que aquelas que estão para vir. Sim, porque o pior em matéria de austeridade ainda estará a chegar. Aliás, uma das ideias-chave que certamente será utilizada na reunião com Merkel, sublinhará o compromisso de Portugal em aceitar um novo pacote de medidas e de reformas de austeridade, em cujo desenho Bruxelas tem estado activamente empenhada. Este será com certeza, um argumento a utilizar para demonstrar a seriedade de Portugal e em como vale por isso a pena que a zona euro o socorra.
Mas, como disse, de pouco valerá a qualidade dos argumentos. Aliás, neste campo, o governo está completamente só, seja externamente, com a Alemanha, Dinamarca ou Suécia, a recusarem-se a ser os financiadores líquidos do que eles lêem como a nossa incapacidade histórica em bem nos gerirmos; seja internamente, com o principal partido da oposição a declarar publicamente como inevitável a entrada da ajuda externa nas próximas três a quatro semanas, provavelmente até mesmo antes da cimeira de 25 de Março!
Portanto, certo, certo, para todos nós, é que o cenário para o qual nos encaminhamos - não obstante as vozes que publicamente nos tentam acalmar - será marcado por uma contínua e perigosa erosão social. Não vale a pena alarmar, é certo. Mas também é insensato pensar-se que a vinda do FMI é inevitável, que mais austeridade é inevitável, que tudo se sabe enfim sobre as inevitabilidades do futuro próximo de Portugal e que nesse futuro não há lugar a rupturas sociais.
Há um aspecto que convém reter, e que repetidamente está ausente dos raciocínios de uma certa elite intelectual versada em finanças (a mesma que gosta de nos arremessar com o chavão de que temos vivido acima das nossas possibilidades… mas sobre isto falarei outro dia): mesmo em tempos recentes de uma relativa prosperidade económica, Portugal nunca deixou de ter elevadas taxas de pobreza e de sofrer de fortes amplitudes sociais, desigualdades sociais que agora necessariamente se agudizam.
Outra certeza que podemos ter é a de que o que está a acontecer a Portugal é fruto de muitos erros nossos do passado, mas é sobretudo espelho da nossa própria condição semi-periférica, na exacta medida em que revela o quão pouco relevamos para a Europa. Ou seja, e em resumo, não interessa nada o que façamos ou o que digamos.
Diz-se hoje que Espanha já está a dar a volta por cima, ultrapassando-nos com medida ainda mais severas e que nós nos temos de aplicar ainda mais se queremos sobreviver. Mas o que se diz hoje sobre Espanha, corresponde menos a uma efectiva realidade económica, do que a uma vontade política em sustentar a Espanha, em evitar que ela caia, e aí sim se vê o empenho da diplomacia de Bruxelas e das principais lideranças europeias junto dos mercados. Já Portugal, neste contexto, não passa de raia miúda.
É triste, mas é a nossa realidade. Ou melhor dito: é a realidade que se nos impõe.
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