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Escreve quem sabe

2025-03-22 às 06h00

João Ribeiro Mendes João Ribeiro Mendes

O mundo universitário está a ser assolado à escala global por um fenómeno viral e pandémico: trabalhos académicos realizados por programas de IA generativa estão a ser entregues, a nível de licenciatura, mestrado ou doutoramento, com aqueles que os submetem a fazerem passar-se por autores dos mesmos. Ainda há uns dias, uma colega me dizia dececionada que numa disciplina a totalidade dos seus estudantes lhe entregou trabalhos chatGPTizados. Essa situação, levou algu- mas cabeças bem-pensantes da nossa praça intelectual a propor que o problema tem de ser assumido de modo frontal.
Um modo expedito, sugeriu uma luminária, seria incorporar essa ferramenta tecnológica na avaliação dos trabalhos, eventualmente para auxiliar na inquirição dos estudantes. Confesso, todavia, que não estou a ver muito bem como é que a coisa funcionaria. Suponhamos que um trabalho de licenciatura, uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutoramento é entregue com aquele que o assina a reivindicar ser seu escondendo a autoria do programa de IA generativa. Para quê fazer perguntas? O cerne da questão não reside aí, mas sim na fraude académica em si. O problema central é a desonestidade intelectual, e não a capacidade do estudante de responder a questões sobre um trabalho que, afinal, não foi verdadeiramente elaborado por si.
Imaginemos, aliás, que usamos outro programa para apurar a probabilidade do trabalho ter sido gerado por IA, um detetor de IA como, por exemplo, o ZerochatGPT. Se for de 100%, que fazer? E se for 50%? E se for 10%? Conheço casos de plágio em doutoramento em que, de forma bizarra, uma comissão foi constituída para avaliar o assunto e concluiu, ainda mais bizarra e surpreendentemente, que 15% de plágio era tolerável. O candidato foi aprovado. Em casos de plágio, o argumento da percentagem é necessariamente espúrio, pois não há qualquer valor percentual aceitável. Se seguirmos essa lógica, caímos no velho dilema do careca: por que não permitir 20% de plágio? Ou 30%? Ou mais?
Outro lente luso aventou outra ideia: incluir como membro de júri de provas de pós-graduação um sistema de IA generativa. Muito bem. Mas, há que perguntar, porquê parar aí? Porquê tal acanhamento? Porque não um júri completo, digamos com 5 membros, como é frequente, composto, por exemplo, pelo GPT-4-turbo (Open AI), Gemini 1.5 (Google), Mixtral 8x7B (Mistral AI), DeepSeek (DeepSeek AI) e Claude (Anthropic). Esse sim, seria um júri competente, desde logo, para identificar se o trabalho foi feito pelo candidato humano ou não. Se não foi, reprova. Se foi, então será um júri muito mais habilitado do que qualquer humano para avaliar o mérito do trabalho.
Não paremos aí, todavia. Estendamos esta lógica aos concursos para ingresso e progressão na carreira académica. De acordo com dois catedráticos nacionais, que o afirmaram pública e repetidamente, esses concursos estão todos viciados e corrompidos. Acredito que falem a verdade, até porque ninguém os desmentiu. Assim sendo, talvez a condução desses concursos por sistemas de IA generativa ajude a melhorar esse fado.
E por que não levar isso mais longe e substituir também as direções de departamentos, as presidências das unidades orgânicas e as equipas reitorais? Não sejamos tímidos: automatizemos tudo o que for possível, rapidamente, para evitar processos burocráticos e pouco transparentes. Se a IA já avalia trabalhos, identifica fraudes e julga méritos, por que não confiar-lhe também a gestão das instituições de ensino superior – ou até mesmo todas as instituições do Estado?

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