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Braga, segunda-feira

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Banco de Jardim

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2015-08-06 às 06h00

Escritor Escritor

Acordei para mais um dia de sol, com temperaturas amenas e o chilrear dos pássaros lá fora.
Era mais um dia como tantos outros, em que me iria vestir para tomar o pequeno almoço no refeitório com os outros colegas do Lar de Santo António. Esta foi a melhor solução que os meus dois filhos encontraram para mim, já que a vida deles, cheia de correrias, responsabilidades e trabalho, não permitia dividir atenções com um velho esquecido e no final da sua longa “caminhada”.
Quando terminei a primeira refeição do dia, arrastei-me para o banco do jardim, sempre muito limpo e asseado, preparando-me para mais um dia enfadonho, igual a tantos outros ultimamente. O contacto com a natureza trazia-me paz, serenidade e, por vezes, alguma lucidez.
Corria uma brisa, leve e fria, não estivéssemos nós Outono! E aquele vento na cara fez-me lembrar... e como era bom conseguir recordar! Lembrei-me daquele dia na praia, em que ambos descalços caminhávamos pela areia com o vento a bater-nos no rosto. De mãos dadas, a sentir o calor daquela mulher que tanto amava, o tempo e o mundo ficavam suspensos simplesmente. Nunca tive dúvidas que aquela era a minha alma gémea, porque, no meio da simplicidade de um passeio à beira mar, conseguia-me fazer o homem mais feliz. A minha paixão por ela levava-me a cometer pequenas loucuras, ao ponto de a puxar a correr para uma duna deitá-la sobre a areia e cobri-la de beijos... Tudo era sempre tão espontâneo, tão sublime e doce, que só poderia pedir aquela mulher, ali mesmo, em casamento, mesmo sem ter sequer comprado ainda o anel de noivado. Mas não era ela a mulher da minha vida, aquela que queria para mãe dos meus filhos? Que importava o anel naquele momento? Eu só queria ouvir a resposta... e a resposta foi um “sim”! Seria minha companheira!
Vivemos o nosso primeiro ano de vida a dois num pequeno apartamento alugado, ainda a juntar algum dinheiro para conseguirmos avançar com a compra de uma casa maior, perante os nossos planos de termos, pelo menos, dois filhos. Como todos os casais, tivemos momentos de grande alegria, paixão, amor, cumplicidade, mas também pequenos atritos, resultantes de opiniões discordantes. No entanto, nunca adormecemos de costas voltadas. Talvez tenha sido esse o segredo para um casamento de 40 anos.
Recordo-me da alegria expressa naqueles olhos, quando ficou grávida. Conseguiu ficar ainda mais bonita e fazer de mim um homem realizado. Nunca me imaginei a viver sem ela, já que passou a ser a minha metade.
Infelizmente, o destino acabou por me pregar uma enorme partida, e levou mais cedo do que esperava a mulher que tanto amava e que me acompanhou em todos os momentos até ali. Ficar viúvo fez-me sentir velho, porque os meus filhos pouco tempo tinham para mim, para substituir a companhia que a minha esposa me fazia, quer fosse nos passeios pela baixa, quer fosse num lanche a meio da tarde. A partir desse dia comecei a conhecer a palavra solidão e a compreender o medo que atormentava os velhos. Tinha-me esquecido que, um dia, também eu seria velho! Comecei a sentir-me isolado, no meu mundo, naquela casa vazia e que outrora estivera tão cheia e movimentada.
Passados dois anos, também eu acabei por ficar doente e debilitado e a “solução” que arranjaram para mim foi esta...
Os dias aqui passam muito devagar, ao ponto de rezar durante a noite para a minha hora não tardar, já que me sentia um estorvo na vida dos meus filhos e um inútil para a sociedade. Eles vinham visitar um velho que nem sempre se lembrava deles, que pouco ou nada tinha para contar. O que estava ali a fazer afinal, meu Deus? Sem projetos, sem sonhos, apenas com uma imensa saudade pelos tempos que passaram...
Hoje até era um dia bom, não me podia queixar! Acordei com memórias e agarrei-me desesperadamente a elas! Talvez até devesse fazer uma chamada para falar com os meus filhos e perguntar-lhes pela vida, pelas esposas e pelos meus netos! As funcionárias do lar diziam-me que as visitas deles eram regulares, quase todos os fins-de-semana, contudo eu nem sempre conseguia lembrar-me e sofria... sofria perante a dor deles ao verem o pai assim, a piorar na terrível doença Alzheimer.
Assim foi! Liguei-lhes e ambos ficaram radiantes por me sentirem melhor. Era tão bom voltar a sentir o amor dos meus filhos, lembrar-me do dia em que nasceram e na alegria que senti, dos momentos de angústia perante o primeiro dia de aulas ou os momentos em que o termómetro assinalava alguma febre.
Depois das chamadas, desloquei-me, devagar, novamente para o jardim e sentei-me no banco, mesmo em frente ao lago. E de repente, sem dar por isso, perdi-me... Afinal quem era eu, que sítio era aquele? E aquela mulher a falar para mim e a tentar convencer-me a descansar um pouco, quem era afinal? Nada fazia sentido na minha cabeça, tudo era vazio...novamente o vazio.

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