Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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CAP&TAL brokkers

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2016-07-17 às 06h00

Escritor Escritor

José Cruz

Tão certo é que o improvável nos aguarde a um virar de esquina, em segunda fila, mal encostado, pronto para arrancar e levar-nos no embalo, que homem sábio de Deus, por seguro que tenha o começo do dia, se abstém de atestar como venha ele a findar. Assim se dá que uma bravata, um disparate saído da boca para fora entre shots e bejecas, tanto pode desaguar em navalhada, mesas viradas e imponderável passagem por posto policial, como, por turbilhão de ridículos, proporcionar ascensão fulgurante a espíritos de recorte modesto e singulares competências, tais a de respirar e boiar ao sabor da corrente.

Se eram quatro, ou seis, os maduros presentes na fundação, é dúvida que testemunha o teor de etilização dos ‘KAP&TAL brokkers’. Escusa de reprovar grafias, o leitor atento, que se ‘brokkers’ não comporta que um ‘k’, suposto era que o rasgão de toalhete em que a acta foi lavrada registasse um consensual ‘brothers’. Mas, lá está, não escrevia a borrona sozinha, e a mão operante borregava entre bancos de nevoeiro.

- Malta, há uma merda que eu ‘tou p’rá’qui a germinar: e se arranjássemos umas motas e fizéssemos um clube? - a frase saiu com voz enrolada e timbres voláteis; os ouvidos, no entanto, estariam em próximo desacerto de afinação, de modo que nada se perdeu nos forros do éter.
Convém sublinhar que nenhum dos mocetões a roçar os trinta teria cabedais ou créditos para levar a ideia por diante. Mas a fantasia, que mãe é de múltiplas ousadias, num ápice conjurou uma partida de fiáveis rocinantes, e não houve entraves a que cruzassem o país gozosamente de alto a baixo, a Europa de lés a lés, os vastos exóticos da Sibéria e da Mongólia. O delírio colectivo só terminou quando um deles soltou que, “fixe, fixe, era ter uma nave espacial”. O astronauta foi abonado de caroladas sem parcimónia, que nem chegou a sentir ou a levar a mal, tão certo estava de se encontrar em pleno salto interestelar.

- Mas as motas, pessoal, tem de ser uma coisa com classe, nada dessas peneirentas mariquices italianas, ou japonesas…
- É DB, umas Harley, na maior…
A sugestão das Harley fora do PC. Por uma questão de estilo tinham dado naquilo - tratar-se por acrónimos. Qualquer moda que decidissem pegava de estaca e florescia rapidamente. Conheciam-se de putos e, pitorescas fossem as alcunhas de origem, algumas eram mesmo desprestigiantes, e ‘peido amarelo’ não era das piores.
- Quais Harley, quais car*… Mota p’ra ser mota tem que ser inglesa, ouve o que te digo, car*…, num’me desesperes! Uma Norton, uma Triumph, uma Royal Enfield, uma BSA…

Por uma parelha de rodas, com efeito, não valia a pena abespinhar o DB, e, se bem que o PC preferisse geringonça germânica, tão longe estavam eles de simples motoreta, que de nada servia encarniçarem-se. Aliás, a ideia de se ver a soltar tiros de escape entrincheirado num motociclo parecia-lhe uma façanha pouco saudável. Catraio franzino, as otites tinham-lhe abalado o ouvido interno, e era PC dado a vacilações e perdas de equilíbrio, de jeito que, a ter que arriscar, mais lhe conviria scooter de dupla roda frontal. Mas ai dele que avançasse a solução, sentiu. Seria corrido a tabefe, ou fácil não fosse imaginar a indignação do DB: - Tu queres um triciclo? Mas que paneleirice é essa?! Espera-me aí que eu já te ponho um pneu de cada lado das fuças, meu car*…
Arrumada a proveniência dos engenhos, deu-se DB a explicar o segundo sainete do grupo: cada um deles teria por alcunha um índice bolsista: nikkei, nasdaq, down jones…

- Olha que é dow jones, corrigiu-o PP, animado de boas intenções.
PP esteve a milímetros de comer uma cabeçada, golpe fatal a que DB recorria para arrumar quem se afoitasse a desafiá-lo. DB não era má peça, um desses bullys da pior espécie. De facto, no grupo, ninguém fora algum dia objecto do seu mau génio. Era mais um guarda-costas, DB, um garante da integridade dos amigos, que nada lhe custava, a ele, avançar como um touro sobre quem os afrontasse, daí a alcunha de ‘o durão’.
- Tens razão, PP, mas nada dizes que eu não saiba, e se escolho ‘down’, meu mongoloide de merda, é para te homenagear!

PP soluçou, e DB retratou-se. - Esquece, não entrombes, o ‘down jones’ vou ser eu. Quero significar, assim, a dialética interna da nossa seita: com o capital, sim, mas atentos, combatendo-o, puxando-o para baixo num esforço de humanismo.
- Bem dito, DB, e olha, a próxima rodada represento eu, interveio CS, aterrado astronauta, já a caminho do balcão.

E correu o resto de tarde. Postaram na net a existência da falange, convocando aderentes para cobrirem os índices correntes. Elaboraram com elegância. Que para o hang seng se requeriam gémeos, por exemplo, que o bando estava aberto a candidatos e candidatas, que cada um dos cavaleiros do asfalto deveria assumir o estudo crítico de uma economia e reunir trunfos para a defraudar…

Entre eles, do resto da discussão, ficou assumido que PP jamais seria o cac40, pela óbvia proximidade com cócó, que o CS seria o stoxxx, adicionando um ‘x’ pela mesma liberdade do DB, isto para reforçar que muito macho era ele. O inesperado veio depois. Se em cima dos kap&tal caíram as associações gay, pela clara extensão do primarismo homofóbico à indústria dos motociclos, já os think tanks da finança acharam a ideia um estrondo.

Convidados a uma cimeira internacional, dissertou o nosso down jones com brilhantismo no tema ‘a evolução do motard: do primitivismo hippie e anarquista dos anos 60 à defesa incondicional do eastern way of life no combate sem tréguas ao neobolshevismo’. Saíram da estância em ombros e, só de patuá, sem terem posto nádega em moto de parte alguma, progrediram assombrosamente na vida. Continuam a enterrar a sobriedade todos os dias, mas de champagne para cima, e do caro, em garrafa exclusiva.

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