Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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'Carpe-diem “ Zona Internacional “ de Bagdad - Iraque', por Pedro Mota Rodrigues

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2010-08-25 às 06h00

Escritor Escritor

A coluna deslocava-se deixando um rasto empoeirado. Nas suas costas aquela que fora outrora a grande cidade “dada por Deus” ia ficando para trás, desvanecendo, como que levada pelas ondas de calor que se levantavam muitos centímetros acima do chão.

Um manto de poeira e cinzas revestia os contornos da cidade, contorno esse alterado de forma irreversível pelo caos de guerra numa das maiores cidades do mundo Árabe. Os dois Hummer APK do Exército Português blindavam o caminho e o transporte daquela coluna de dez lusos, seguidos de muito perto pelo imponente MRAP anti-minas e emboscadas. A missão era na sua essência simples, não fosse o facto de terem que ser percorridos cerca de trezentos km numa das localizações mais temidas a nível mundial.

- Fantástico. - Comentou o soldado Marques. - Metem-nos num dos sítios mais perigosos do mundo com armas até aos dentes, e enviam as munições um mês depois.
- Assim mantemos a paz… - Gozou o Cabo Cunha. - Disparamos raios pelos olhos e trovões pelo rabo e matámos o inimigo de tédio.
- Shiu, vamos a fazer menos barulho. Nesta lata de sardinhas tudo é amplificado. - Pediu o Capitão Costa agarrando as fontes com expressão sofredora. - Tenho a cabeça a rebentar.
- A noite de ontem também foi o verdadeiro degredo de álcool. E deixe-me que lhe diga Capitão, você arrasou. - Referiu Marques com o dedo apontado ao seu Capitão. - Aquela morena que engatou naquele bar perto do acampamento era de valor.
- Moreno. - Cuspiu o Cunha, o mais novo dos três.
- Quê? - Questionou o Capitão.
- Moreno. - Repetiu.
- Como assim Moreno? - Vociferou o Capitão a perder a compustura.
- Era um homem Capitão…
- Um Homem? Estive a dançar com um homem? - Protestou o Capitão com uma expressão enojada.
- Oh yes! - Gozou o Cabo.
- Então isso explica o porquê de ela estar ao meu lado no urinol. Pensei que tinha sonhado. - Concluiu o Capitão agora mais apreensivo.
- Não Capitão. Arranjou um encontro para o dia dos namorados. - Disse o Soldado Marques rindo às bandeiras despregadas juntamente com o Cabo Cunha.
- Mau! Deixem-se dessas tretas e vamos recapitular a missão. - Disse o Capitão voltando à sua pose autoritária. - Agrupamos com o segundo Pelotão no Ponto de Encontro, dividimos as munições e voltamos. Não quero perdas de tempo nem palhaçadas. Entendido?
- Sim Capitão. - Responderam um uníssono os dois subordinados.

O primeiro impacto pareceu longínquo, pareceu abafado, e falhou o seu alvo. O segundo arrancou o primeiro Hummer da coluna do chão, e fez com que explodisse como uma castanha em pleno ar.
- RPG´S. - Gritaram os três homens no interior do veiculo blindado, em pânico e assumindo as suas posições de combate.

Ainda o grito não tinha cessado e já o segundo Hummer era atingido de lado por um novo explosivo, tendo o efeito de um empurrão que o capotou por centenas de metros para o lado esquerdo da coluna recém destruída.

Seguiu-se um clarão enorme e depois a escuridão…


Capitão Costa, 37 anos, casado e pai de dois filhos, actuava em animações de casamentos com o nome artístico de Mamex, Morreu sem assumir a sua homossexualidade.

Cabo Cunha, 22 anos, solteiro, teria vencido uma etapa da volta a Portugal em bicicleta em 2003 na subida à torre, se valesse fazer apenas os 5Km finais, era também alguém a ter em conta nas lutas de carrinhos de supermercado. Morreu virgem o pobre.

Soldado Marques, 19 Anos, Iria casar em finais de 2005 na sua aldeia natal. Morreu sem conhecer a sua filha que nasceria em finais desse ano. Ambos eram brancos, a sua filha nasceu Negra.

Para lá de qualquer dúvida existencialista, a vida acumula-se e empilha-se desordenadamente. Às vezes é estúpida, às vezes é emotiva, outras até em que é estupidamente emotiva. Não deixa a vida contudo de ser algo que nos acontece quando estamos distraídos. Enumerar algo por que valha a pena viver é demasiado relativo, demasiado lato, talvez faça mais sentido o inverso, acreditar em algo pelo qual valha a pena morrer.

Vivam e façam a estupidez acontecer, mas não ignorem as maravilhas deste nosso mundo inteligível, com olhos racionais optem por desracionalizar, e Carpe-diem, pois às vezes a duração da nossa consciência é só mais uma batida de coração.

Àh… e se forem para a guerra, não se esqueçam da munição…

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