Entre a vergonha e o medo
Ideias
2021-11-16 às 06h00
É conhecido o papel reformador do apóstolo Paulo na mensagem do cristianismo, tornando o seu apelo verdadeiramente global e criando as bases para aquela que é, ainda hoje, a religião com mais fiéis no mundo.
Sem prejuízo das polémicas que lhe estão associadas, como acontece com qualquer figura relevante da história da humanidade, o que ficou como um dos legados mais impactantes da ação missionária de Paulo foi a compatibilização do cristianismo com a noção de Estado – no seu caso e tempo, o “Estado” romano.
Na relação com o império e através da criação de porosidades no paganismo vigente à altura, Paulo estabeleceu as bases para uma religião de e do Estado que, todavia, com ele não se confunde, que o influencia sem o determinar, que com ele convive sem dele depender, que o moraliza sem o prender à moral.
Na famosa epístola (ou carta) aos romanos, entre muitas outras coisas, Paulo funda todo esse pensamento estratégico de convivência pacífica entre o império político-administrativo e o império da fé. Dele se diz ser um dos documentos (re)fundadores do cristianismo e uma das sínteses fundamentais desta religião.
Mal comparado, o papel de Paulo... Rangel é bastante similar. Após 4 anos de relativa insignificância do Partido Social Democrata, importa oferecer ao país um testemunho coerente, claro e inspirador, que explicite e evidencie as virtudes da social-democracia portuguesa, apenas oferecida pelo PSD.
Sem receios do Estado, mas sem com ele querer confundir o partido. Sem preocupações formalistas e ininteligíveis sobre a pureza dos rituais e ideologia à Sá Carneiro, mas com o profundo respeito pelo seu legado e pelas fundações que estruturou através do seu pensamento e ação. Compreendendo que Portugal, em 2021, não é Portugal em 1981. Sabendo bem que se o socialismo já vai na terceira via, é natural e necessário que a social-democracia possa evoluir e acompanhar os tempos em que pretende ter influência e pertinência nas sociedades em que se insere.
O objetivo de Paulo Rangel tem de ser o de falar para todos, procurando fazer a síntese daquilo que o inspira e oferecê-lo à comunidade como o projeto aberto e mobilizador da grande maioria dos portugueses.
Um projeto, de resto, que não prescinde de todos aqueles que, por uma razão ou por outra, estiveram com vários outros candidatos à liderança do PSD no passado e, inclusive, com Rui Rio, mas que sentem agora ser o momento de afirmar uma alternativa sólida, mobilizadora e verdadeiramente capaz de transformar o país.
Esta missão de Paulo tem de mexer com os fundamentos em que o PSD se sustenta, sem os destruir. Tem de ser capaz de apelar à modernização do Estado sem parecer querer obliterá-lo. Tem de dar o mote para a superação do paradigma do partido da troika, sem enjeitar o patriótico e incontestável protagonismo liderante do PSD na ultrapassagem da crise da bancarrota de 2011.
Ao mesmo tempo, a proposição ao país tem de ser tão moderna e cosmopolita quanto centrada na realidade próxima dos cidadãos. A consciência da evolução tecnológica no setor laboral, no mundo financeiro e nas relações sociais deve obrigar à formulação de respostas que não prejudiquem a prosperidade económica, mas que igualmente protejam as mais que prováveis vítimas do seu sucesso.
Sabemos hoje, como exemplo, que a inteligência artificial e a indústria de exploração de dados caminham em paralelo, na tentativa cada vez mais concreta de minimizar custos laborais, mas também de controlar e monetizar os contactos sociais. Um partido como o PSD, em que o humanismo personalista sempre foi uma marca fundacional, não se pode comprazer com a indignidade da menorização da condição humana através da imposição de ditaduras algorítmicas que ditam a competência ou incompetência de quem quer que seja para trabalhar, para aceder a bens e serviços, a prestações sociais, a ideias ou, até, para se relacionar com qualquer outra pessoa.
Sabemos igualmente que os desafios ambientais já não são meros chavões para embelezar programas eleitorais, plenos de abertura indefinida e vazios de conteúdos concretizáveis.
O PSD tem de voltar a liderar o debate, as políticas e as medidas de recentramento sustentável do país, sem cair em megalomanias de reduzida credibilidade e de duvidosa pertinência.
Sabemos, ainda, que o reformismo é uma “opção inadiável” de Portugal e uma matriz constante do PSD. Devemos, contudo, ter a noção de que, não raras vezes, os políticos sinonimizam “reformas” e “cortes”, tornando indistinta para o eleitor a diferença entre os dois conceitos. Esse é outro dos grandes desafios de Rangel, mostrar que as reformas que o PSD defende não se esgotam na dimensão económica dos ganhos que com elas se obtêm, mas que significam um avanço civilizacional que nos permita afastar da cauda dos rankings europeus de crescimento e prosperidade.
Enfim e em síntese, cabe a Paulo ser apóstolo de uma nova social-democracia agregadora, sem cair na apostasia de fazer o PSD renegar a sua identidade.
13 Junho 2025
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