Correio do Minho

Braga, terça-feira

- +

Carta à Leonor: por mais qualificação entre a quantificação

A responsabilidade de todos

Banner publicidade
Carta à Leonor: por mais qualificação entre a quantificação

Ensino

2018-05-23 às 06h00

Filipe Clemente Filipe Clemente

Querida Leonor
Sabemos que vivemos numa era de quantificação: temos mais um menos isto, obtivemos mais ou menos aquilo. Na verdade quantificar auxilia-nos a manter um foco objetivo e lúcido sobre algo que nos situa numa curva de normalidade. No entanto, a exclusividade da quantificação limita-nos, muitas vezes, a capacidade de qualificar. Se um aluno possui 15 valores o que significa realmente esta quantificação? É bom ou mau? Está apto? Encaixa no perfil de trabalhador que pretendo ou não? E se considerarmos que temos 2 alunos com 15 valores em que um deles sempre demonstrou, na perceção do docente, comprometimento, espírito crítico, pontualidade, motivação, rigor e ética nas aulas e o outro foi o que surgiu no exame e obteve a mesma quantificação e nas aulas nunca demonstrou qualidades essenciais para o mercado de trabalho? Valerão o mesmo? Bom, sempre se pode dizer que o que interesse é se a bola entra na baliza ou não e a forma como se obteve o resultado pouco interessa. No entanto, tenho de comungar do pensamento de Albert Eistein quando refere que nem tudo o que pode ser contado conta, e nem tudo o que conta pode ser contado.

É por esta massiva crença de que apenas conta a bola na baliza que, frequentemente, não se olham aos meios para atingir os fins; que se finge não ver palavras e atos durante os bons resultados e que apenas quando não se atingem os objetivos se mostra a repugnação acompanhada do ar de incrédulo ou surpreendido. Tenho sempre de me recordar das palavras que me transmitiram na licenciatura: os engenheiros nazis era exímios técnicos, fizeram invenções fantásticas, mas faltou-lhes uma coisinha: um bocadinho de ética.
Voltando ao ensino, esta obsessão pelos números e pelo resultado final parece-me que não nos está a dar todas as respostas e corresponder às necessidade emergentes dos millennials. Vemos que apesar de objetivos, metas ou outra designação que lhes possamos dar o objetivo final nem sempre é transmitir conhecimentos e dotar os estudantes de ferramentas e competências mas, exclusivamente, prepará-los para um exame que os vai quantificar. Quando assim o é, e espero que menos vezes do que imagino que seja, todo o ensino fica comprometido a um mecanismo de memorização e desaproveitamento de meses de aulas que podiam ter formado futuros produtores de conhecimento para, em última linha, tê-los reduzido a reprodutores.

Apesar de vivermos na sociedade do conhecimento tenho, atualmente, dúvidas que esse conhecimento seja objetivo, metódico e rigoroso em muitos dos casos. Aqui o ensino superior deveria ter uma intervenção particular limitando a germinação e crescimento de conhecimentos que, de sustentados e assertivos, têm pouco. Porém, na verdade, o assumir de certezas absolutas provenientes de blogs, textos de internet duvidosos ou outros instrumentos de comunicação é, apenas, mais uma consequência do ensino focado em reprodutores e não produtores do conhecimento.
A internet tem o melhor e o pior dos mundos e para a utilizar para o bem é preciso capacidade crítica, reflexiva, rigorosa e metódica que só advém da formação qualificada baseada na ciência.

Esta também é a necessidade de qualificar mais do que apenas quantificar para o mercado de trabalho. Acreditam mesmo que a média ponderada que se encontra no papel de fino recorte do vosso diploma é sinónimo de entrada direta no mercado de trabalho por mais alta que tenha sido? Acreditam que as capacidades de enfrentar uma entrevista, resolver problemas, lidar com pessoas, ser pró-ativo, comprometido, dinâmico, trabalhador e eficiente não são valorizadas? Permite-me partilhar esta ideia do Neil deGrasse Tyson durante um dos seus discursos em que ao falar de uma entrevista de emprego com dois candidatos às tantas pergunta qual o tamanho de um edifício que se via do prédio sendo que um dos candidatos imediatamente enaltece: eu sou arquiteto e memorizei muita informação sobre edifícios da cidade. A altura é 155 pés.
No entanto o segundo candidato responde não, mas volto daqui a pouco. Esse mesmo candidato sai do escritório, mede a sombra do edifício projetada no relvado, mede a sua própria sombra, realiza o rácio de alturas e volta para a entrevista com um número: é cerca de 150 pés. Quem contrataríamos: o que decorou ou o que conseguiu resolver o problema sem saber a resposta à partida? E se o segundo tivesse no seu diploma 14 valores e o primeiro 18?

Deixa o teu comentário

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho