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Entre a vergonha e o medo

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Ideias

2023-05-16 às 06h00

João Marques João Marques

Para lá das dívidas do estádio, das dúvidas do processo das Convertidas e das dádivas do alargamento do estacionamento pago à superfície, existem um sem-número de situações em que Ricardo Rio e o seu executivo se viram a braços com autênticas novelas de má qualidade.
Uma dessas novelas foi a que rodeou o agora famoso Contrato de Gestão Delegada (CGD) a assinar entre a Câmara Municipal e a AGERE.
Este contrato, obrigatório por lei desde 2010, deveria ter sido preparado, negociado e assinado pelo último executivo de Mesquita Machado que, recorde-se, só em outubro de 2013 cessou funções.
Nos anos de 2010, 2011 e 2012 a Câmara Municipal insistiu na solução do mero contrato-programa até esbarrar no Tribunal de Contas que, em 2013, por acórdão formal, sentenciou que, sem contrato de gestão delegada, não poderia continuar a festa.
A razão para que o PS tivesse tido esta postura irresponsável pode parecer in-sondável, mas explica-se facilmente com um artigo do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, onde o CGD vem previsto como obrigatório para as situações em que o município entenda, como por cá sucedeu, delegar a gestão dos serviços de abastecimento de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos urbanos.
O tal artigo é o 21.º, cuja epígrafe assim lê “Remuneração do capital accionista da empresa municipal delegatária”. No n.º 1 desse artigo, prescreve-se que “A trajectória tarifária prevista no contrato de gestão delegada deve permitir previsionalmente que, no decurso de cada período vinculativo, os accionistas aufiram uma adequada remuneração dos capitais próprios”.
Significa isto que, na modalidade de gestão delegada dos tais serviços, a entidade delegatária, neste caso, a AGERE, pelo facto de desempenhar essas funções, há de ter de ser remunerada, remuneração essa que tem de ser “adequada”.
O busílis da questão está aqui, o que é ou deve ser uma remuneração adequada? Do decreto-lei apenas resulta que a taxa aplicável à remuneração se deve basear no “valor mais recente da taxa de juro sem risco (…) acrescida de prémio de risco definido no contrato de gestão delegada”.
Donde, a taxa de juro sem risco corresponde à taxa das obrigações do tesouro à altura da preparação do contrato, enquanto o prémio de risco é matéria mais subjectiva e ligada a fatores não totalmente sumariáveis.
Por aqui, o que sobra para o decisor político, na hora de estabelecer a “remuneração adequada”, é a ingrata tarefa de dizer aos seus eleitores quanto é que vai ter de pagar pela delegação do serviço.
Em Braga, esta tarefa tornava-se ainda mais complexa, porquanto a AGERE havia sido parcialmente alienada nos idos de 2005, cabendo 49% da empresa a acionistas privados. Decisão do PS, há que sublinhar.
Sendo assim, quem se remunera e quanto se remunera são perguntas que se juntam e que se conjugam no léxico populista da seguinte forma: quanto é que vamos dar aos privados para eles prestarem um serviço monopolista aos bracarenses?
Ora, se o decisor político for fraco, débil na moral e frágil na ação, a tendência é para se esconder na conveniência da não decisão e esperar que quem vier a seguir fique com o odioso de um dossier que, como se diz na gíria, “queima”.
O PS entendeu não decidir e nunca se vinculou a nenhum documento final. Mas sabemos que existiram versões preparatórias e que, nesses documentos, a taxa de remuneração apontada superava os 10%.
Felizmente que, em 2013, os bracarenses renovaram o pessoal político da Câmara e deram uma maioria reforçada, repetida em 2017 e em 2021, a quem não tem medo de decidir, porque não tem medo da legalidade, nem do escrutínio sobre as suas decisões, uma vez que as toma conscientemente e por referência ao interesse público.
No encerrar de um longo processo de negociação com a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, a quem compete dar parecer sobre o CGD, a autarquia chegou a uma taxa de remuneração razoável (5,71%), em que o prémio de risco se queda pelos 2,8%.
E essa remuneração, que vai ser distribuída na proporção das participações sociais entre a Câmara Municipal (51%) e os privados (49%), não implicará qualquer aumento dos tarifários nos próximos anos.
Mas permitirá também que a AGERE continue a melhorar a prestação dos serviços à população, onde tem sido líder a nível nacional, bem como a cuidar condignamente dos seus trabalhadores, que só a partir de 2013 passaram a merecer a atenção devida.
Depois da reforma da recolha de resíduos, através da sua contentorização, depois da anunciada construção de uma nova ETAR, cujo processo já se encontra em andamento, assegurada que está a estabilização dos tarifários e garantida a paz social na empresa, entra-se numa nova fase.
Uma fase em que, entre muitas outras coisas, se pode discutir e eventualmente avançar para a remunicipalização integral da empresa, sem amarras do passado e sem esqueletos no armário.

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