Os amigos de Mariana (1ª parte)
Ideias
2017-03-03 às 06h00
A Natureza é estranhamente ambivalente, quiçá dúplice: parece funcionar, ao mesmo tempo, como um laboratório experimental, o maior que existe, e como um agente experimentador, o mais experiente de sempre. Neste laboratório em incessante atividade, todos os dias há experiências que correm mal: hoje alguém nasceu sem um braço, ontem alguém desprovido de visão, antes de ontem outrem com paralisia cerebral e assim por diante. A natureza exibe pródiga teratologia.
Interessantemente, nós, os seres humanos, também apresentamos uma constituição dual: somos parte dessa Natureza e, todavia, excesso em relação a ela; e isso quer dizer, entre outras coisas, que podemos reparar os seus erros ou, pelo menos, tentá-lo. Num certo sentido, a chamada capacidade tecnológica consiste nesse poder. Ela insere-se, penso, num processo antropológico complexo, desencadeado pela rejeição da fatalidade e que evolui para a calma confiança na sua superação, para a proatividade em alcançá-la, para o entusiasmo na sua aproximação e culmina no realimentar do desejo de prosseguir nessa transcendência - parafraseio aqui, claro, em termos mais positivos, o popularizado modelo dos cinco estádios psicológicos que supostamente atravessamos na sequência de uma tragédia, que Elisabeth Kübler-Ross elencou em 1969 em Sobre a morte e o morrer: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação.
Inere, pois, a essa capacidade tecnológica um impulso moral, orientado tanto para reparar os malogros da Natureza como para aperfeiçoar tudo o que ela produz. E uma das suas expressões mais recentes e belas foi a da organização, pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, em 8 de outubro passado, da primeira edição do Cibatlo (“ciber” para controlo e “atlo” para competição; em inglês: Cybathlon), uma prova internacional de características desportivas para pessoas com limitações de vária ordem que podem usar nela as chamadas “tecnologias assistenciais biónicas” (próteses robóticas, interfaces cérebro-computador, exosqueletos energizados, etc.).
O seu alcance afigura-se-me tremendo, sobretudo depois ter ouvido o anúncio há dias de que a segunda edição terá lugar dentro de 4 anos. Nesse intervalo temporal é de prever que nas seis disciplinas da competição - interfaces cérebro-computador, estimulação elétrica funcional, bicicletas adaptadas, próteses biomecatrónicas de membros superiores e de membros inferiores, exosqueletos autónomos e cadeiras de rodas motorizadas - venhamos a ter progressos dramáticos.
Ele representa, por conseguinte, um forte incentivo não somente para que os que têm incapacidades físicas e cognitivas várias se superem, mas também para que quem trabalha na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias assistenciais - isto é, de dispositivos de auxílio, adaptação e reabilitação para aquelas - se empenhe ainda mais.
O contributo que pode dar para que pessoas com tais limitações vejam a sua qualidade de vida enormemente melhorada, nomeadamente através de maior autonomia na realização de tarefas e de maior operabilidade nos ambientes em que quotidianamente se movem é razão bastante para aplaudir a sua criação.
Esperemos, portanto, que em 2020, para além dos para-atletas em competição - que se esperam ser mais que os 73, provenientes de 25 países, na edição de arranque - os investigadores (neurocientistas, engenheiros biomédicos, especialistas em cinesiologia, etc.) envolvidos - quase 300 do outono de 2016 - nos surpreendam, espantem, maravilhem e mostrem que a tecnologia também serve o bem.
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