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Cidadania ou o atrevimento da ignorância (1)

Maravilhas Humanas

Cidadania ou o atrevimento da ignorância (1)

Voz às Escolas

2025-03-26 às 06h00

José Carlos Freitas José Carlos Freitas

Da multiplicidade de graves e complexos problemas e debilidades com que o ensino português se debate, há um tema reiterada e abusivamente extrapolado para além dos limites do decoro, da sã convivência e do bom senso em que deveriam assentar todas as políticas educativas vencidas e vindouras, independentemente da matriz ideológica do partido político proponente. Falo, claro, da disciplina de Cidadania. Se para muitos é uma espécie de raiz de todos os males, para nós, professores e cidadão libertos de espartilhos ideológicos, é um ótimo instrumento ao serviço de uma sociedade tolerante, plural e livre, e que acolhe, aceita e integra sem estratificar por castas, credos ou sexualidade.
Vejo - assumo, com muita dificuldade -, toda a celeuma gerada em torno de uma disciplina que, em dias tomados pela intolerância, pela manipulação, pela ganância e pela desinformação à larga escala, deveria assumir-se enquanto inalienável antídoto capaz de contribuir (se tal interessasse) para o combate de tais “patologias” e surreais dislates. Qual “pão para a boca” em tempos tão difíceis quanto os que vivemos, a disciplina de Cidadania tem sido, nos últimos anos, vítima dos princípios que ela própria tenta combater, vendo-se invariavelmente manipulada no seu objeto e subvertida nos seus objetivos, com o fito único de a comprometer com uma agenda ideológica que objetivamente não pretende empreender, e de a transformar no instrumento de doutrinação Marxista que manifestamente nunca foi nem será.
Para que o leitor perceba o alcance do que refiro, partilho um episódio muito recente. Recebi, há dias e a este propósito, um inflamado e-mail de um pai de um aluno nosso, dando nota da sua oposição aos conteúdos e princípios subjacentes à disciplina de Cidadania, acusando-me, a mim, Diretor, assim como a todos os colegas que a leccionam, de estarmos a instrumentalizar e manipular as nossas crianças, incutindo-lhes princípios e valores “repugnantes”. Acrescentou, entre incontáveis e inenarráveis abjecções, que “hoje se assiste a uma intensa tentativa de destruição do conceito de família por parte do lobby financiado por organizações que promovem a homossexualidade”, e que “assistimos a muitos suicídios dos nossos jovens que se arrependem após cirurgias de mudança de sexo”, acrescentando (sem que perceba bem para quê) que “nós, portugueses, estamos atentos”.
Para este “ilustre” e pretensamente informado acólito de Trump, a Escola Pública está capturada pela extrema-esquerda, aplicando e defendendo princípios e valores de ideologia radical, obedecendo a princípios Marxistas-Leninistas que temos, pelo seu extremismo, como ignóbeis, impraticáveis e intoleráveis, como que se da URSS se tratasse. Este tipo de insinuações fere, verdadeiramente, quem diariamente luta para formar (sem “formatar”) os nossos jovens, pois são falsas, infundadas e ridículas, visando apenas a desinformação global e a disseminação de calúnias, procurando impor, neste campo, a agenda ideológica da extrema-direita, essa sim, pelos vistos, tomada por valores e princípios de gente de bem…
Bem sei que a “ignorância é atrevida”. Mas é ainda pior quando é deliberada, insidiosa e calculista, como é o caso, pois os conteúdos curriculares são públicos e estão publicados. Só não os consulta quem não quer, e só não os interpreta quem, por conveniência ou teimosia, opta por manter o atrevimento da sua ignorância.

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