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Cinco anos depois da Covid-19: pouco aprendemos

Ser Dirigente no CNE - Desafios

Cinco anos depois da Covid-19: pouco aprendemos

Ideias

2025-03-17 às 06h00

Felisbela Lopes Felisbela Lopes

Uma das experiências profissionais mais enriquecedoras que vivi correspondeu a um período muito difícil para mim. Para todos. Em tempo de covid-19, e quando a pandemia atingia a sua fase mais dura, integrei o grupo, coordenado pela pneumologista Raquel Duarte, que aconselhava o governo sobre as medidas a tomar no que diz respeito aos (des)confinamentos. Num dedicadíssimo trabalho “pro bono”, esse grupo de 7 especialistas (G7, como nos designávamos entre nós para aliviar momentos de pressão) nunca vacilou na motivação, no empenho e na vontade férreas de contribuir para que tudo corresse bem. Passados cinco anos, pouco resta do que se aprendeu em tempos pandémicos.

Para quem quer conhecer o processo de construção de um conhecimento técnico que esteve na base das decisões políticas tomadas em tempo de Sars-CoV2, pode ler o livro “Covid-19: a estratégia”, assinado por todos os elementos deste G7, que se encontra em acesso aberto (https://ebooks.uminho.pt/index.php/uminho/catalog/book/71) numa edição UMinho Editora e da Fundação Mestre Casais. A meu cargo, esteve toda a estratégia de comunicação, algo crítico quando tínhamos em mãos um aconselhamento que ditava o fecho ou a reabertura de setores sensíveis do ponto de vista social e económico, sendo, portanto, tentador colocar-se no espaço público polémicas que destruiriam decisões mesmo antes de serem tomadas. Tal não aconteceu, porque tínhamos uma combinação entre nós que nunca foi beliscada: ninguém falava fora do grupo das medidas a tomar até ao momento de estas serem anunciadas nas reuniões do Infarmed. Quando a coordenadora do grupo comunicava nesses encontros as mudanças propostas, estava a partilhar informação nova com todos ao mesmo tempo: políticos, decisores de saúde, jornalistas e cidadãos em geral... A partir dali, Raquel Duarte dispunha-se a explicar tudo até à exaustão até ao dia da reunião do Conselho de Ministros que tomava decisões com base nos relatórios técnicos. Aí terminava o tempo dos especialistas e começava o tempo dos políticos. E isso repetia-se a cada ciclo de reuniões.

Passados cinco anos, a opção de envolver saber especializado em processos políticos desapareceu. Agora as decisões surgem muitas vezes sem ser perceber quais as âncoras que as sustentam. Ao nível da saúde, a prioridade de investimen-to prometida foi descontinuada e os profissionais de saúde depressa perderam a relevância que adquiriram. No que diz respeito ao jornalismo, mudou-se radicalmente a tematização, minimizou-se o cuidado com a literacia e perdeu-se a valorização dos especialistas. Ou seja, tudo mudou. E não para melhor, sublinhe-se.
Muitos investigadores, em diferentes geografias, tomam como certa uma futura pandemia. Para a qual voltamos a não estar preparados. A nível internacional, perderam-se muitas redes e as políticas de saúde delineadas em comum perderam-se em pouco tempo. Dentro de portas, cada país não rentabilizou o saber adquirido. A notícia da saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde e a consequente quebra do financiamento também não auguram nada de bom para um futuro que se declina sob o signo da fragilidade e da dependência mundiais.

Se a Covid-19 nos ensinou alguma coisa, foi que a resposta a uma crise sanitária depende tanto do conhecimento científico como da vontade política. No entanto, parece que desperdiçámos a lição. A memória curta das instituições, aliada à ilusão de que grandes pandemias são eventos raros e irrepetíveis, deixa-nos numa posição ainda mais frágil do que antes. O que acontecerá quando surgir a próxima grande ameaça? Se nada mudar, enfrentá-la-emos com os mesmos erros, a mesma desorganização e, acima de tudo, com a mesma hesitação em ouvir aqueles que deveriam estar no centro das decisões: os especialistas. Ignorar a ciência tem um custo. E a história mostra-nos que esse custo se paga sempre. Em vidas.

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