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Ideias
2020-02-28 às 06h00
Esguios, elegantes, nobres, os cisnes brancos exercem um grande fascínio, e ao longo dos séculos foram adquirindo uma simbologia marcada, por entre as mais variadas culturas. Os irmãos Grimm ou Hans Christian Andersen registaram algumas das histórias que foram povoando a imaginação de milhões de crianças por todo o mundo, deixando as nossas memórias polvilhadas de cisnes mágicos, belos e diferentes. Os cisnes formam casais monogâmicos, e talvez por isso em muitas culturas simbolizem pureza , luz , fidelidade e amor eterno. Os cisnes brancos evocam ainda a poesia, a música, o ballet, lembrando a música magnífica de Tchaikovski no seu Lago dos Cisnes.
Enfim, o que se espera é que os cisnes sejam conforme a nossa memória, e a nossa imaginação. Nassim Taleb é um matemático, analista de riscos financeiros, presidente de uma empresa de investimentos e também professor universitário. Mas o que o tornou verdadeiramente conhecido foram as suas publicações sobre o inesperado, o fora da caixa, os cisnes negros, nomeadamente em 2007. Para esse autor, cisnes negros são acontecimentos improváveis, basicamente com três características – são imprevisíveis, têm um impacto enorme, e finalmente podemos vir a desenvolver ou encontrar explicações alternativas que os tornam menos aleatórios. Para Taleb, este tipo de acontecimentos, não marcam apenas as sociedades ou as economias globais, mas também as nossas vidas pessoais, e podem ser positivos ou negativos. Exemplos?
O ataque terrorista nos Estados Unidos, na manhã do 11 de setembro de 2001, que para além de destruir as torres do World Trade Center e matar milhares de pessoas, veio a ter consequências significativas nos mercados globais e gerar múltiplos conflitos militares, contribuindo para uma crescente instabilidade e insegurança. Mas por outro lado, o aparecimento do Google e a importância que, de uma forma quase explosiva, veio a assumir na nossa vida e na forma como trabalhamos, é também um desses cisnes negros. A eleição de Trump e a emergência novamente das guerras comerciais, o Brexit. Uma morte completamente inesperada, o ganhar o Euromilhões, por aí fora, se pensarmos bem, encontramos muitos exemplos deste tipo de acontecimentos que alteram o jogo e as suas regras.
Vivemos por agora um desses acontecimentos, este coronavírus que vamos temendo. O medo das epidemias já está registado no nosso ADN, vem de longe, da memória de séculos e gerações atrás de gerações. Acima de todas, a peste negra, que no século XIV fez 50 milhões de mortos pela Europa e pela Ásia. Combatida mais eficazmente quando se percebeu a enorme importância da higiene e do saneamento urbano, continuou apesar de tudo a marcar presença na Europa. Por exemplo, no Porto, entre 1854 e 1918, a peste bubónica, a par de outras doenças, foi responsável pela morte de uma percentagem significativa da população. A lepra, o tifo, a cólera, a varíola, o sarampo, a tuberculose, a gripe espanhola são apenas alguns outros exemplos dessas pandemias terríveis. Entre 1850 e 1950, a tuberculose matou cerca de um bilião de pessoas.
E já no século XX, a febre amarela, o ébola, a sida , a gripe A ou a SARS foram polvilhando de medo, sempre medo, as nossas madrugadas… Ainda que a ciência tenha sido sempre capaz de dar uma resposta e de controlar os danos – bem como os seus profissionais, nas diversas áreas envolvidas.
O coronavirus , seguindo a terminologia de Taleb, é seguramente um desses cisnes negros. As consequências para a economia global vão ser, são já, significativas. A China hoje em dia pode ser descrita como “a fábrica do mundo” – a sua paralisação está já a fazer-se notar nas nossas empresas têxteis que por estes dia têm vindo a chamar a atenção para a insuficiência do fornecimento de matérias primas e componentes de produto indispensáveis à sua laboração . E que no contexto das cadeias de valor global, são fornecidas pela China. Isto é, deveriam ser – mas não estão a ser, porque está tudo parado. O coro de empresas com problemas de falta de fornecimento de peças e componentes estende-se já aos mais variados setores, por todo o mundo; a imprensa inglesa noticiava há uns dias as dificuldades da Jaguar Land Rover.
O impacto de uma crise económica séria na China poderá vir a ser tremendo : trata-se da economia mais importante do mundo em termos de comercio internacional enquanto fornecedor e enquanto mercado final, tem o sistema financeiro de maior dimensão, representa a principal origem de estudantes internacionais e de turistas e o segundo maior investidor mundial em I&D, etc. De acordo com previsões variadas que vão sendo feitas, o impacto negativo do coronavírus pode traduzir-se numa quebra da produção mundial na ordem dos 1,3%, ou mais. A forte diminuição da produção e do consumo no mercado chinês vai contagiar toda a economia mundial .
Resta-nos esperar que a ciência -mais uma vez – faça o seu papel, e encontro uma forma de nos livrar disto. Até ao próximo cisne negro…
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