Correio do Minho

Braga, sexta-feira

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Comissões de serviço

Entre a vergonha e o medo

Comissões de serviço

Ideias

2022-03-22 às 06h00

João Marques João Marques

Tomaram posse na passada sexta-feira os membros das 5 comissões permanentes da Assembleia Municipal. Tanto quanto me apercebi, esta cerimónia não teve eco na imprensa local, nem foi propriamente tema de discussão ou interesse, o que é pena.
Desde logo porque a Assembleia Municipal tende a ser esquecida e vista como o verdadeiro parente pobre do poder local. Que me perdoem as freguesias, que recentemente reunidas em congresso da ANAFRE se queixaram do mesmo, mas não há órgão que seja tão repetidamente desvalorizado pelos cidadãos e pelos responsáveis políticos em geral como a Assembleia Municipal.
Ao contrário da Assembleia da República, unanimemente vista como o local por excelência da concretização pura da democracia representativa (o que se compreende), as assembleias municipais são olhadas com uma certa indiferença, quando não mesmo ignoradas por quem nelas não participa.
É verdade que, a espaços, sobretudo quando entendem que as suas reclamações merecem a exposição ao mais amplo espectro público, cidadãos isolados, ou agrupados, aproveitam as sessões ordinárias para dar eco aos problemas que experienciam no dia-a-dia, mas não existe uma verdadeira cultura de comprometimento com este órgão, o que nos deve fazer refletir.
Já aqui tentei problematizar (com dois textos) o que deve alterar-se para que as assembleias municipais se adaptem ao nosso tempo e sejam vistas como uma parte focal da democracia local.
Há muitos outros contributos de pessoas bem mais avalizadas do que eu, a começar pelo Professor Cândido de Oliveira, que têm insistido, de há vários anos a esta parte, na necessidade de dignificarmos e modernizarmos o seu funcionamento. Este autor, ainda recentemente sublinhava que as assembleias municipais “não t[ê]m meios de censura a um presidente da Câmara e até os presidentes de Juntas de Freguesia evitam hostilizar este quando discordam das propostas em Assembleia Municipal, para que a sua freguesia não seja prejudicada”.
E admitia que “Ainda não existe um entendimento correto para os eleitores do que representa o poder local, isto é, exige diálogo vivo, não é apenas votar a cada quatro anos para haver chefe e súbditos”.
Reclamando “a urgência de mais mecanismos de fiscalização e responsabilização durante o mandato autárquico”, punha a tónica na reformulação do papel do órgão, o que me parece da mais elementar justiça e de meridiano bom senso.
Em Braga, pese embora nem sempre reconhecido, o papel da Assembleia Municipal tem sido muito relevante, dando voz e substância a debates de ideias e à resolução dos problemas concretos das pessoas.
No atual mandato, essa dimensão dialogante ou dialética assume especial importância, num quadro inaudito de dispersão do voto popular e sua representação. O facto de existirem 12 blocos de votação distintos - PSD, PS, CDS, Grupo das Juntas Independentes, CDU, BE, Chega, PAN, IL, PPM, Aliança e um membro Independente isolado – é um desafio tremendo e nunca antes experienciado.
Esta variabilidade e riqueza democrática indiciam a necessidade de um laborioso diálogo “parlamentar” que não prescinde de ninguém e que obriga a uma maior disciplina, inclusive na gestão das intervenções. Esse fator foi já reconhecido por todos os grupos municipais, sendo inadmissível que se prolonguem as sessões para lá da uma da manhã, como infelizmente já aconteceu.
Não é apenas porque os elementos da Assembleia Municipal têm famílias e vida profissional para lá do serviço a que se dispuseram prestar através do seu ativismo político, é também pela dignificação do órgão e respeito pelos cidadãos que se disponibilizam a nelas participar, assistindo ou intervindo.
Tendo tudo isto em consideração, vem ficando assente a ideia de que teremos de promover mais sessões extraordinárias para diluir a quantidade de temas que, por vezes, se torna ingerível tratar numa só noite e que concorre para a desqualificação do papel do órgão. Esta modificação, cuja adoção final está a cargo dos diversos grupos municipais, deve levar-nos a refletir sobre quais as eventuais alterações legais estruturantes a promover nos diplomas que incidem sobre a atividade dos órgãos locais, sobretudo em concelhos com a dimensão de Braga.
Lisboa (e mesmo o Porto) não pode continuar a ser um oásis da democracia local, por força do seu gigantismo. Ninguém quer replicar os episódios de duvidosa adequação a que se assiste na capital do país, com a multiplicação de assessorias pagas que a todos surpreende, mas também não podemos reagir com impassividade, achando que temas de cada vez maior dificuldade técnica e especialidade podem ser assegurados por voluntários ocasionais que de três em três meses se reúnem para, em jornada contínua e sem limite de horário, despachar o que houver para despachar, dê lá por onde der.
A democracia tem custos e nós, membros das assembleias municipais, já assumimos o nosso. É tempo de o país decidir, sem demagogias baratas, se quer ou não valorizar a democracia local e qualificar o debate público.

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