Os amigos de Mariana (1ª parte)
Ideias
2018-03-02 às 06h00
Associo de modo quase espontâneo a palavra ética a questões dilemáticas, controversas, polémicas e, por conseguinte, a debate vivo, troca acalorada de argumentos, negociação dura de consensos.
Seria de esperar, pois, que nos chegassem com frequência notícias de animadas discussões ocorridas nos conselhos ou comissões de ética que por toda a parte se multiplicam em hospitais, empresas, universidades, etc. e que constituem lugares privilegiados para contendas morais. Todavia, acontece precisamente o contrário: tais conselhos ou comissões de ética praticamente não se fazem ouvir nem se dão a ver; como se não quisessem incomodar nem ser incomodados.
Poderá ser que esse estado de coisas resulte de falta de motivos ou de matérias para ajuizarem ou alvitrarem. Por facilidade, intentei apurar isso na minha Universidade. Encontrei no art.º 71.º, n.º 1 dos respetivos Estatutos que o Conselho de Ética da UM aprecia e pronuncia-se sobre questões éticas que lhe sejam colocadas pelo Conselho Geral e pelo Reitor. Sob pena de estar mal informado, não tenho conhecimento de alguma vez isso ter acontecido. A mesma alínea diz que esse órgão consultivo pode propor códigos, diretrizes, recomendações, pareceres e ações de reflexão e debate, nas áreas da investigação científica, do ensino, da interação com a sociedade e do funcionamento geral da Universidade. Novamente sob pena de estar mal informado, não conheço nenhum código, diretriz, recomendação ou parecer dele proveniente. Conheço sim um Fórum de Ética, já com quatro edições, que tem promovido reflexão e debate de temas de ética académica e profissional. E diz ainda essa alínea que tem competência para emitir pareceres sobre projetos de investigação envolvendo sujeitos humanos, animais ou material biológico de origem humana ou animal. Admito que o faça, se calhar com regularidade, mas não consegui saber nem quais, nem quantos, nem quando.
Fiz o mesmo exercício procurando noutros lugares, por exemplo nas páginas eletrónicas das comissões de ética de outras universidades lusas. Encontrei basicamente a mesma situação marasmática; algo que me fez pensar se não será mais um bom exemplo daquela não-inscrição que assola o nosso país, da greve de acontecimentos resultante da paradoxal vontade de todo um povo em não se envolver no que quer que seja, que o nosso filósofo oficial, José Gil, há 13 anos dissecou em Portugal Hoje, o medo de existir.
Buscando explicação para essa tão grande modorra, interroguei-me se não poderia ser por tais órgãos se apresentarem, nas mais das vezes, quase exclusivamente compostos por pessoas supostamente bem intencionadas, mas sem qualquer formação relevante em ética, em filosofia moral. Sim, caro leitor, bem sei que poderá parecer estranho, mas é o que frequentemente ocorre. Mutatis mutandis, funcionam como uma junta de aconselhamento médico sobre o melhor modo de realizar uma arriscada neurocirurgia integrada por um veterinário, um psiquiatra, um dentista e um dermatologista ou como um painel de aconselhamento de investimentos de uma firma comercial preenchido por um cantor de ópera, um apicultor, um alfaiate e um bombeiro. Por isso comungo da perplexidade que lhe está a passar agora pela cabeça: se para se fazer parte da junta médica é sensato exigir médicos preparados e para se fazer da administração de uma empresa bem sucedida é prudente requerer gestores competentes, porque carga de água se presume que se podem formar conselhos de ética sem eticistas!? Planeio voltar ao assunto.
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