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Construir Portugal

Entre a vergonha e o medo

Construir Portugal

Ideias

2024-05-14 às 06h00

João Marques João Marques

Um dos mais desafiantes problemas que o país enfrenta é o da habitação. Ao longo das últimas décadas, por razões distintas, mas sempre coligadas com os momentos políticos pelos quais passámos, a habitação viu-se relegada para o segundo plano do espaço público.
Todos nos lembramos da loucura dos anos 90 e de como a construção desenfreada de prédios nos centros urbanos nacionais deu lugar a casos sérios de mau planeamento e pior qualidade de vida.
No subconsciente popular ficará sempre a ideia de que o descontrolado período de crescimento da generalidade das cidades portuguesas fora um fartar vilanagem em que os únicos verdadeiros beneficiários terão sido os que compõem a classe dos “empreiteiros”.
Após o vendaval de cimento e betão seguiu-se, porém, um arrefecimento brutal na construção de novas habitações que seguiram o período de estagnação económica do país. Desde 2002, em que se atingiu o número máximo de fogos novos construídos para habitação familiar num ano (perto de 130.000) até 2015, o pior ano com apenas 9564 (o que não tem paralelo na história da democracia em Portugal), o declínio que até aqui nos trouxe é retratado pela degradação deste índice. Pelo meio, relembre-se, vivemos a crise do subprime e a pré-bancarrota nacional.
Se os fatores de degradação são conhecidos, não menos identificável foi a incapacidade de os agentes políticos conseguirem combater e reverter este cenário. Sim, conceda-se, o país não precisaria de construir 130.000 fogos por ano para suprir as carências habitacionais, mas seguramente não se poderia bastar com os míseros 9564 que atingiu em 2015 e que pouco cresceram até ao presente.
O famoso pacote “mais habitação” só nos trouxe mais preocupação. Mais preocupação com a demagogia de medidas populistas como o arrendamento forçado; mais preocupação com a dificuldade de execução dos fundos do PRR e mais preocupação com a incapacidade do IHRU em dar resposta às solicitações recebidas.
Entretanto, o mundo não mudou, mas mudou o governo. E esse parece ter sido um bálsamo importante para reverter este estado de coisas.
Na passada sexta-feira foi apresentada a nova estratégia para a habitação “Construir Portugal”, assente em cinco pilares: incentivar a oferta, promover a habitação pública, devolver a confiança, fomentar a habitação jovem e assegurar a acessibilidade na habitação.
Este impulso do governo visa conferir uma nova dinâmica e uma verdadeira reforma do quadro político-legislativo que rege o setor da habitação.
É notória a preocupação em tornar o Estado como o exemplo, quando se promove como primeira medida, a disponibilização de imóveis públicos para habitação com renda ou preço acessíveis. Mas essa tónica continua com o reconhecimento que o IHRU não tem tido a capacidade de resposta necessária e, por isso, entra em palco a Construção Pública, EPE, a empresa pública que deverá dar músculo à concretização dos fogos do Programa de Arrendamento Acessível.
A revisão do Simplex Urbanístico, que entrou em vigor há poucos meses, pode parecer precipitada a quem não acompanha estes temas, mas é uma prioridade sublinhada, denunciada e exigida pelos agentes no terreno, desde os municípios aos promotores e investidores relevantes. Sem prejuízo de se poder e dever manter vigente uma pronunciada margem de autonomia aos privados, sempre perfeitamente balizada pela lei, o certo é que a falta de tempo para implementar as novas medidas, a par de algum excesso de voluntarismo legislativo recomendam claramente uma revisão que torne menos controversa a repartição de responsabilidades entre entidades públicas e privadas e dê a todos maior clareza sobre algumas das novidades introduzidas.
Finalmente, permito-me destacar, para lá da pacificação que este pacote de medidas traz relativamente ao alojamento local, o foco no apoio aos mais jovens no acesso quer ao arrendamento quer à compra de habitação. Bem sabemos que a dificuldade de acesso a habitação condigna não é uma questão meramente geracional, mas ninguém pode negar que a facilitação tremenda que se consegue com a reformulação do Porta 65 e com a disponibilização de uma garantia pública para o financiamento bancário ou a isenção de IMT e Imposto de Selo para quem tem até 35 anos carrega um duplo alívio. Por um lado, e de modo direto, permite que casais em início de carreira possam arrendar ou adquirir uma casa com um desconto significativo e com condições a que não teriam acesso sem a ajuda de terceiros, designadamente os familiares mais próxi- mos. Por outro, estes mesmos familiares diretos são desonerados da necessidade de prestarem essa ajuda e veem mesmo concedido um apoio a que os seus filhos possam mais rapidamente reclamar a independência do projeto de vida a que têm direito.
Para lá das medidas concretas, saúda-se o compromisso com a sua calendarização, o que torna a missão do Governo de ainda maior responsabilidade, algo compreensível dado que a urgência das questões não pode ser resolvida com meras declarações de intenções.

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