A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2010-04-18 às 06h00
Não gostei de olhar o cartoon do António ontem no “Expresso” onde figurava Bento XVI com uma cruz na mão que ostentava uma criança. Também não gostei de ver, na edição de 5 de Dezembro de 1992 do mesmo jornal, João Paulo II com um preservativo enfiado no nariz. Não gostei, porque, acima de tudo, esses traços do cartoonista põem a nu questões que a hierarquia da igreja não consegue enfrentar com frontalidade. Não é uma opção acertada.
Faltam poucos dias para a visita do Papa a Portugal. No palco mediático sobressai a grave questão da pedofilia, que envolve membros da igreja. Este fim-de-semana, Bento XVI terá esse tópico como sombra na deslocação que faz a Malta. O Vaticano ainda não conseguiu ensaiar uma resposta à altura da gravidade dos factos. Sabemos obviamente que esses crimes não se estendem a todos os membros da instituição. São a excepção e, como tal, devem ser assumidos com frontalidade e com medidas correctivas severas. O discurso sobre este problema não pode ser piedoso para os pedófilos e omisso para as vítimas. Não pode. Pelo menos, não é neste tipo de opções que me revejo enquanto católica. E é por isso que me sinto revoltada com certos silêncios. Quem ocupa lugares de destaque dentro da igreja tem de perceber que, por vezes, também é preciso promover rupturas internas. Saber dizer basta e dizê-lo convictamente é um grande sinal de justiça. Que urge dar.
Nestes dias de preparação da visita de Joseph Ratzinger, oiço reiteradamente notícias que fazem eco de um amplo trabalho logístico. Tanta coisa! É verdade que a vinda do Papa requer um protocolo especial, mas eu preferiria ouvir falar de iniciativas verdadeiramente importantes. Por exemplo: porque não aproveitar este grande evento para abrir uma vasta reflexão sobre o lugar dos leigos na Igreja? Refiro aqui não apenas aqueles que são presença habitual nas paróquias, mas sobretudo aqueles que deixaram de sentir que têm aí um lugar. A igreja não estaria interessada em saber as razões que levam as pessoas a deixar de entrar nos templos? Esse é um debate que continua por fazer. Não seria isto importante, se não se desse caso de o número de católicos estar a decrescer significativamente. É verdade que, de quando em vez, aqui e ali, surgem preocupações a esse nível, mas a discussão começa sempre enviesada, porque ela não deve ser feita com quem está “dentro”. Deve ser feita com quem está “fora”. Com aqueles que têm ideias diferentes e que até podem trazer outro fôlego aos modos de ser igreja. Que devem ser sempre conjugados no plural.
Falar do envolvimento dos leigos na igreja é também falar em novos modelos de presbíteros que devem ser pensados em articulação com as actuais vivências de fé das pessoas. O que procuram os crentes na igreja e que respostas tem hoje a igreja para eles? Os estilos de vida mudaram substancialmente nos últimos anos e nos vários modos de desenvolver o sacerdócio há que reencontrar novas formas de ser comunidade no meio de pessoas que têm vidas permanentemente em desassossego devido a desafios/problemas em constante renovação.
Leio nos jornais que as missas que Bento XVI irá celebrar no nosso país terão uma forte participação do nosso clero. Certamente daqueles que sobressaem nas cúpulas. Gostaria também de ver, nesses altares, padres que, sem ocuparem lugares de relevância, desenvolvem trabalho notório em paróquias desconhecidas. Não sei se para esses haverá lugar nesses espaços de arquitectura cuidada. Identificando-me com um modo de ser igreja simples, eu preferia ver essas eucaristias como momentos verdadeiramente espirituais e não como oportunidades de pôr em cena pesados rituais.
Gostava de sublinhar que vejo nesta visita do Papa a Portugal uma grande oportunidade de a Igreja adquirir outra vitalidade. Que deve ser bem aproveitada. Lembro o grande entusiasmo que tive aquando da vinda de João Paulo II ao nosso país. Desse tempo guardo imagens de uma pessoa de gesto afável e de sorriso aberto. Daniel Dayan, um mediólogo que se deteve no estudo da mediatização das visitas do anterior Papa, defende que, com Karol Józef Wojtyla, “o centro tornou-se um lugar nómada”. E essa centralidade não se estruturava por rituais muito elaborados. O grande trunfo de João Paulo II era a sua espontaneidade e a sua afabilidade. Que faltam a Ratzinger. Essas lacunas não podem ser compensadas com rituais promotores de barreiras de separação. Já todos sabemos que este Papa não tem um discurso contagiante, nem a sua presença cria uma automática empatia. Mas haverá, decerto, outras características que importará valorizar. Como a espiritualidade que, decerto, um Papa deve inspirar. Ou a verdade que qualquer membro da igreja deve fazer alastrar.
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