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Cromos

Órfãos de Pais Vivos

Cromos

Escreve quem sabe

2022-12-11 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Victor But lerá o persa Omar Khayyam no original, Luís de Camões idem, como William Shakespeare e Paul Verlaine, e no entanto passa a bondosos olhos ocidentais como o pior dos crápulas. Ao persa, ao português, ao francês e ao inglês, acresça-se-lhe o russo e o ucraniano – que de raiz ucraniana é, não russa – e o árabe, e temos no homem estampa de secretário-geral da ONU, e até os conhecimentos que haja feito e conserve entre demónios são trunfos na hora de passar a ferro as rugas do engelhado pano da paz mundial. Eu, por mim, votava na reabilitação do homem, encenaria uma de erro judiciário, ou falsa identificação, renascendo para o bem público o alegado armeiro, como um certo Farid para a vida em geral, após duas décadas de reclusão, subsequente a acusação de violação, que ele sempre negou. Tinha o moço 17 anos, e ódio dele nutriria uma certa Julie. Sortes que ninguém quer.

Melhor berço que Victor teve Harry, isto digo eu por ideia geral. Harry ainda não foi a calabouço, mas não é de afastar pena que possa um dia sobrevir a acusação de trampolinice da grossa, isto porque há de acabar a entrada de dinheiro fresco, e o cavalheiro não será calhado ao trabalho, que é de estômago fraco, mais dado ao vômito que à digestão repousada, mais dado à encenação do drama de cordel, do que a obra levantada de mangas arregaçadas. Especulo, sem dúvida, e nenhum mal na realidade lhe vaticino. O problema somos nós, paspalhinhos de todo, em nome de quem lhe avançam uma pipa de massa por declarações de ridícula intimidade, de estirada maledicência. Nenhuma família é perfeita, e que me perdoe quem me leia e o oposto de si imagine, que não o digo por desfeita pessoal, antes por filosófica abordagem.

Pior berço que o de Victor poderá ter sido o do nosso Ronaldo. Digo “nosso” por vulgar apropriação abusiva, porque o simbolizamos, porque o próprio se simbolizou. Ser herói é uma chatice. Estar obrigado a ecranizar compensações pessoais e pátrias é um calvário. Ninguém sana tamanha frustração, e a do português tem musgos de quatro séculos e pico. O louco nunca é louco, o bêbado nunca é bêbado, o português só é português quando puxa ao pastel de nata que os outros não têm, ao bolinho de bacalhau que escapa entre os dedos de reputado chef de cozinha molecular, quando tira da cartola um futebolista de eleição. Não ambiciona o português um país decente, basta-lhe que o invejem por uma futilidade. Não procura o portu- guês viver a tempo inteiro, basta-lhe o estalo de língua do turista. Não aspira o português a governo consequente, a memória longínqua de listas de espera na saúde, a pobrezas reduzidas à inexpressão, basta-lhe um estandarte de papel de seda e a chincalheira de solene processionar. Talvez o português não esteja sozinho em mundo de faz de conta, mas que de si cuidem os outros, por exemplo os marroquinos que se comoveram às lágrimas, que gritaram à rouquidão, por uma vitória sobre a Espanha. Desforras que só o que se julga desforrado vê.

Escrevo sobre a manhã de sábado. O patriotismo que me faz desnudar falhas nossas é o mesmo que me leva a aspirar a uma vitória sobre o terreno de jogo. De nome espera ganhar quem abdica de se aplicar a fundo, quem se prende a querelas e a marcos de efeito individual. Os golos do nosso Ronaldo são tanto dele, como dos dez que a cada vez evoluíram com ele no relvado. Um homem sozinho não ganha, um homem que joga para pessoal vaidade não augura grande vitória. São precisos 11 que joguem por 12, contando que o adversário não avance com semelhante receita de culinária própria.

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