O fim da alternância
Ideias Políticas
2018-11-13 às 06h00
Era, até há poucos dias, um ilustre desconhecido da generalidade dos portugueses, apesar de ter sido eleito deputado pela primeira vez há mais de vinte anos. É caso para dizer que não se dava muito pela sua falta, até ao dia em que se noticia o registo de falsas presenças suas na Assembleia da República. O deputado José Silvano, a escolha de Rui Rio para ocupar o cargo de Secretário-geral do PSD, tornava-se assim o rosto da mais recente polémica no Parlamento.
Depois do episódio com Feliciano Barreiras Duarte, que não durou mais de um mês naquele cargo, ficava ainda mais claro que Rui Rio não é feliz nas escolhas que faz. Apesar disso, ao invés de reconhecer a má conduta, Rui Rio preferiu, num primeiro momento, classificar o episódio como uma “pequena questiúncula”, para depois brincar com a situação, respondendo em alemão às perguntas dos jornalistas que o interpelavam.
Não é preciso recuar muito no tempo para percebermos que a desvalorização que o líder do PSD faz deste caso não bate certo com as suas próprias declarações sobre a vida política. Rio chegou à liderança do PSD a prometer um “banho de ética” e em poucos meses prova o seu contrário.
Como devem imaginar, não estou minimamente preocupado com o futuro do PSD, tão-pouco com o êxito da liderança de Rui Rio. Contudo, preocupam-me, sim, as generalizações que são feitas a partir deste caso. Não foi preciso esperar muito para ouvirmos alguns politiqueiros e comentadeiros da nossa praça dizer que na política são todos amigos, safam-se uns aos outros, criando a falsa ideia de que há deputados a mais no Parlamento, porque nem sequer lá vão ou nada fazem. Talvez seja apenas esse o mundo que conhecem.
Para ajudar à festa, a deputada Emília Cerqueira, também do PSD, decide comunicar ao país que foi ela que registou indevidamente as presenças do deputado José Silvano, dizendo que é uma prática banal a partilha da palavra-passe pessoal entre deputados.
A deputada foi ainda mais longe e acusou os que se indignaram com o episódio de serem “um bando de virgens ofendidas numa terra onde não há virgens". Desta forma, tentava não só relativizar a situação em que se envolveu com o deputado José Silvano, como acabava por colocar todos os deputados, de qualquer partido, no mesmo saco. Um peditório para o qual há sempre muita gente disponível, como se sabe.
Como em qualquer actividade, há bons e maus profissionais. Há quem desempenhe as suas funções com responsabilidade, empenho e elevação, e há quem não o faça.
O mesmo acontece na Assembleia da República. Se há deputados que prestam declarações falsas, omitem conflitos de interesse ou falsificam o seu registo de presenças, são esses deputados que devem ser responsabilizados, não aqueles que cumprem zelosamente o mandato que lhes foi confiado pelo voto popular. Por outras palavras, se há “virgens ofendidas” no PSD, Rui Rio já tem por onde começar o seu “banho de ética”.
Para se credibilizar a política não basta melhorar a conduta dos que a exercem, é preciso também que os cidadãos se deixem de generalizações e saibam, no momento e tempo certos, responsabilizar quem a desmoraliza.
19 Março 2024
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