Entre decisões e lições: A Escola como berço da Democracia
Voz aos Escritores
2025-05-02 às 06h00
E de repente um largo esverdeado com uma fonte ao fundo. Recheio de arabescos, contornos de colunas, a fonte era com certeza rústica, e colava-se a grandes árvores que, vim a confirmar depois, pertenciam já ao Palácio dos Biscainhos. No verde macio, saltitavam um raposinho e uma morena atlética em fato de treino azul. Gostei da combinação das cores, eu, que tenho sempre tanta dificuldade em harmonizá-las quando me arroupo.
Mais acima, um gato, que, pelo visto, comeu a língua a alguma pequenada. Com ares de creparia, ornava com o seu buquê de palavras a rua Andrade Corvo, cravada exatamente nos olhos do Arco-da-Porta-Nova. Que razão psicológica me compeliu à esquerda? É difícil avaliar as idiossincrasias das nossas ações, mas aponto, neste caso, a imagem da fonte e dos seus ornatos, a ladear o museu. Talvez por isso me lembrei daquela passagem por Biarritz, onde apreciei as longas praias e o Rochedo da Virgem. Pressinto agora que foi o nome do palácio o grande catalisador.
Lembro-me da minha estranheza relativa à nomeação. Sabia do Mar Cantábrico, mas não o relacionava com o país basco espanhol e, portanto, nada com o nome, Golfo da Biscaia. Foi isso, a nossa mente é decididamente arguta, e não foi então ocasional a minha inflexão à sinistra. A entrada do palácio, agora também museu, era já ali, e mais acima a igreja do povo, batizada em latim vulgar, exsudando dos excessos do granito: o Campo da Vinha já não é campo nem é vinha. Porque no tempo das ramadas se encharcavam de lama as chancas, compreendo melhor agora, tempo de outras limpezas e higienes, a importância do rapador, pregado na ombreira por onde entravam os cavalos. E compreendo melhor ainda porque havia (ainda há?) os pé-rapados. Hoje, nas casas mais asseadas, não se rapa, eventualmente descalça-se. E foi calçado que abordei o átrio, zona por onde rinchavam os cavalos. Material granítico do século dezassete, solo forte e bem raspado.
Num daqueles acessos exclusivos, enchi o peito de nobreza, como se saltasse no tempo e me sentisse personagem de alta roda, recostado em algum dos móveis da época, ou olhando languidamente nos olhos uma beleza sedutora. Naquelas salas, tudo o que acontecesse seria salvo no oratório, em estrutura anexa, ou na sala de jantar, onde refulgiam as porcelanas finas. Orar e lambuzar não são ações antagónicas, presumo, razão por que me imagino a concretizá-las de muito boa-fé e de muito bom grado. Conquistado fiquei, em determinado momento, com a sofisticação do mobiliário e dos objetos de coleção, eu, que sou uma espécie de numismata ambulante, amador de belas antiguidades e de numismas monárquicos raros e sociologicamente representativos.
Cirandar pelas várias coleções, por ouros e cerâmicas, instrumentos musicais e pinturas, entre outros variadíssimos objetos, carreou-me no espírito das épocas. E os jardins? Não podiam ausentar-se da feraz imaginação, tempero definitivo do nosso repasto arquitetural e museológico. De impacto, revi o belíssimo tulipeiro, altaneiro e bem vetusto no seu quase tricentenário, recheado de flores amarelas, semelhantes às túlipas dos jardins comuns. Embrenhei-me depois nos labirintos e nos traçados barrocos, visitei os tanques e os lagos, os alegretes e as casas de fresco e recostei-me por ali, admirando as geometrias e as belezas, mais a arquitetura geral do palácio. Ó antepassados brilhantes que nos oferecestes estas maravilhas, ó artífices da Biscaia, bascos de Espanha ou da nobre França, quanto vos devemos e quanto vos agradecemos? Pelo cruzamento do imaginado e do pensado, compreendo agora o meu salto memorial a Biarritz: foram os da Biscaia que construíram estes Biscainhos, e daqui lhes agradeço esta extraordinária visita que me revigorou o corpo e me fortaleceu a alma.
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