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Desigualdades

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Desigualdades

Ideias

2023-01-06 às 06h00

Margarida Proença Margarida Proença

O índice de Gini mede até que ponto a distribuição do rendimento ou consumo entre indivíduos ou famílias dentro de uma economia se desvia de uma distribuição perfeitamente igual. Um índice de Gini de 0 representa igualdade perfeita, enquanto um índice de 100 implica desigualdade perfeita. Ou seja, um coeficiente de Gini baixo implica que há menos desigualdade entre as pessoas dentro de uma determinada sociedade, o que significa uma distribuição mais equitativa de riqueza e recursos. De acordo com os dados do Banco Mundial, a desigualdade na distribuição de rendimentos tem vindo a agravar-se entre 1990 e 2018. Mais de metade de todo o rendimento gerado globalmente vais para apenas 10% da população, enquanto cerca de 3 biliões de pessoas vivem com menos de 5 dl por dia. Esta desigualdade na distribuição de rendimen- tos condiciona de forma significativa o potencial de crescimento económico e cria instabilidade política. Ainda de acordo com dados do Banco Mundial, os índices de Gini mais elevados encontram-se em África, particularmente na África do Sul , na Namíbia, no Zâmbia, em São Tomé e Príncipe e na República Central Africana, com valores que variam ente os 63,03 e os 56,24.
Mas olhemos para a Europa. Comparando os países após transferências e impostos, países como a Áustria, a Bélgica, a Republica Checa, a Dinamarca ou a Estónia apresentam índices de Gini muito baixos.
O caso da Dinamarca, por exemplo, tem sido largamente estudado como um país que conseguiu efetivamente combinar um desempenho económico elevado com a segurança social. Um trabalho interessante de Atkinson e Søgaard, de 2014, remete a redução nas desigualdades de rendimento para uma tendência secular, com início provável no processo de industrialização tal como terá ocorrido em outros países nórdicos. Também a Islândia, a Estónia, a Letónia, a Eslováquia, entre outros, apresentam índices de Gini relativamente baixos.
Em Portugal, em 2019, o índice era mais elevado que em todos esses países (0,511), até mais alto que no Reino Unido (0,507), ou em Espanha (0.491). O salário português, para um trabalhador a tempo completo, é em média de 19.300 euros brutos por ano, 58% da média da União Europeia e 68% do que é pago em Espanha (Eurostat). É o décimo salário anual bruto mais baixo da União Europeia. Na minha opinião, tal reflete globalmente as características básicas e tendências do nosso processo de industrialização e do nível educacional. Com um peso elevadíssimo de micro empresas, dominadas por produções de baixo valor acrescentado e habituadas a um ambiente protecionista, a sua competitividade passava pela garantia de custos baixos, nomeadamente salariais. Dado o atraso significativo no acesso generalizado à educação, a industrialização foi difusa, e não criou condições efetivas para o aumento da produtividade.
A diferenciação clara no acesso à educação contribuiu para a manutenção de prémios elevados para quem a tinha, contribuiu para a criação de uma elite paga a preços de ouro. As elevadas remunerações pagas a membros dos conselhos de administração não caracterizam apenas Portugal. Há imensos estudos que tratam disto; as maiores empresas públicas dos Estados Unidos oferecem aos seus executivos pacotes de compensação descomunais que cresceram muito mais rápido do que o mercado de ações e o salário dos trabalhadores típicos, até mesmo dos 0,1% melhores, de acordo com dados de Bivens e Kandra (2022). E estes valores exorbitantes têm vindo a aumentar. Nos Estados Unidos, em 2021, a proporção da remuneração de CEO para trabalhador típico foi de 399 para 1 , enquanto em 1965 era de 20 para 1!
Estes pagamentos não derivam da sua produtividade mais elevada, ou de competências específicas, nem sequer da falta de CEOs altamente preparados, mas basicamente do poder que têm e do funcionamento disfuncional da governação empresarial, e porque muito dessa capacidade negocial está relacionada com o que se passa na Bolsa. E durante a pandemia, ainda nos Estados Unidos, a remuneração dos CEOs aumentou cerca de 30,3%, enquanto os salários dos trabalhadores em geral acresceu 3,9%. E quando olhamos para determinados setores, como no futebol, os valores ainda são mais extraordinários.
Em Portugal, pelo menos um estudo (Pereira da Silva, 2009) analisa a relação entre o desempenho das empresas cotadas na Euronext Lisbon entre 2002 e 2004, a estrutura dos respetivos conselhos de administração e a sua remuneração; os seus resultados não parecem suportar a ideia de que exista uma associação positiva entre o desempenho das empresas e a compensação dos administradores, ainda que estejam relacionadas com a dimensão das empresas.
Em qualquer caso, estes pagamentos exorbitantes obviamente agravam, e muito, a desigualdade na distribuição de rendimentos, e na verdade a generalidade desses estudos indica que a economia não seria prejudicada se ganhassem bem menos, ou se os incentivos e compensações indemnizatórias fossem substancialmente reduzidos, ou as cargas fiscais bem aumentadas.

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