Um batizado especial
Ideias
2022-11-14 às 06h00
Dinheiro e política têm habitualmente uma relação difícil. Claro está, isso no quadro de um Estado de Direito democrático. Na verdade, para ditadores, autocratas, dirigentes mais ou menos repressores ou enganadores (normalmente, de tendência populista), não há melindres, nem incomodidades, no que respeita a essa relação. Também não há contas a prestar. Kant dizia, na sua “Paz perpétua” que as nações democráticas estariam sempre menos vocacionadas para fazerem a guerra. E, por conseguinte, evitariam sempre entrar ou fazer a sua própria guerra.
Um freio natural suscitar-lhes-ia uma inibição de guerrear, não porque porventura lhes faltassem os meios e a capacidade para o fazer (e com sucesso!), mas porque os seus soberanos (líderes) teriam necessariamente que ter em conta o que a respetiva população desejava, necessitando da concordância daquilo que hoje designaríamos por “opinião pública” – e estas (vontade da população e “opinião pública”), por via de regra, são contra a guerra, contra envolverem-se, elas próprias, nas guerras que as atingem ou poderão atingir! Ora, essa observação de Kant, sublinhando o natural e incontornável limite do poder dos soberanos num ambiente minimamente democrático, não podendo fazer impunemente o que entendam, será, pelo menos com alguma propriedade, transponível para aquela relação entre o dinheiro e a política. Habitualmente, a “opinião pública”, a vontade popular em democracia (e, portanto, a vontade dos eleitores), receia os potenciais malefícios daquela relação entre dinheiro e o exercício do poder, sendo especialmente sensível aos riscos de instrumentalização do poder político pelo poder económico e favorecimentos ilegítimos deste, por ação ou omissão daquele. Claro que nem sempre as coisas foram entendidas assim.
Em certos Estados, durante o século XIX e no dealbar de sistemas liberais - democráticos (vg, com o advento da “monarquia constitucional” e com os primórdios do constitucionalismo) a relação entre a política e o dinheiro era não só nada incómoda, como, de resto, natural e inevitável. A atividade política e o direito de voto estavam reservados unicamente a quem fosse proprietário e, portanto, atingisse, então, um limiar mínimo de “posses”. Estavam vedados, também e em parte, por isso mesmo (no quadro de vida de uma sociedade patriarcal e desconhecedora da igualdade entre sexos), às mulheres. O certo é que, em termos de tendência, essa relação (dinheiro e política ou, pelo menos, muito dinheiro e política) tem sido, hoje em dia, olhada com desconfiança…e frequentemente até por fatores que não se relacionam com os riscos de ilegítimas e imorais instrumentalizações e capturas.
Quem detém poder económico olha, por via de regra, para o exercício do poder político como algo que poderá prejudicar precisamente a sua posição e estatuto económico, preferindo manter uma discrição e não comprometimento no que respeita a causas públicas e a ação política. Muitas vezes, também, quem é rico é encarado como sendo quem não conhece a verdadeira e comum realidade dos seus concidadãos e, por conseguinte, não tem sensibilidade ou capacidade para desempenhar efetivamente funções políticas em benefício da população (do comum dos eleitores), cujos problemas desconhecerá. Sempre existiram algumas exceções, é certo, sobretudo, no espaço norte-americano.
Por exemplo, é relativamente mediático o caso de John Forbes Kerry, Senador, Secretário de Estado norte americano e candidato, em 2004, à Presidência da República. Kerry chegou a ser considerado o senador mais rico dos Estados – Unidos, por conta de vários fundos que herdou e também, indiretamente, graças ao ketchup Heinz e ao seu casamento com uma portuguesa (Teresa Heinz) que, por seu turno, é viúva do herdeiro do “império” do referido ketchup. Mas creio serem, de um modo geral, exceções que, mesmo no contexto norte-americano, confirmam a regra da relação melindrosa entre a política e o dinheiro.
Mas estas considerações avulsas vêm a propósito de uma relativamente nova e, portanto, de certo modo inusitada, manifestação que interesse que alguns milionários, com carreiras empresariais e financeiras, demonstram pelas lides políticas e pelo poder. Temos o caso do bizarro e imoderado Trump. Temos agora, em Inglaterra, Sunak que trocou, com sucesso, uma carreira no mundo financeiro, onde enriqueceu (para além de ser casado com uma multimilionária indiana, filha de um magnata da informática), pela política. Indiretamente, Elon Musk, da Tesla, adquirindo o Twiter (a principal plataforma digital de expressão política) e declarando o seu apoio – ainda que por razões de discordância com o rumo da política económica norte-americana – a Trump. Musk acaba, assim, por saltar a vedação entre política e (muito) dinheiro, tornando-se, também e, de certo modo, indiretamente, um ator político.
Ora, o que levará a esta “concentração”, assumida sem complexos, entre poder económico e poder político? Qual a motivação do poder económico – em rigor, dos casos recentes, agora referidos – para se embrenhar na política ativa? Estaremos a assistir a uma nova cosmovisão e a uma nova atitude em relação à “res pública”, por parte do capital (nomeadamente, empresarial)? Mercado e poder político: estaremos a assistir a sinais de mudança de paradigma naquele relacionamento? Ou estes sinais serão meras “andorinhas” inconsequentes que não trarão nenhuma nova Primavera?
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