A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2011-05-15 às 06h00
Nenhuma campanha de turismo terá, por certo, tanto impacto como a Final de uma Liga Europa em determinada cidade. Nenhum político conseguirá projectar tanto a sua região como um clube de futebol. Na 4ªfeira, Dublin será alvo de uma gigantesca operação mediática. Em Braga e no Porto, haverá também emissões especiais para sentir, em directo, as emoções dos adeptos. A partir do norte, é Portugal que está em festa.
Poder-se-ia encarar este jogo como um duelo musculado entre FCP e Sporting de Braga. Não será essa a maneira mais inteligente de olhar para este grande evento que junta, pela primeira vez, duas equipas portuguesas na Final de uma Liga Europa. Trata-se de um acontecimento único que exige de nós uma celebração colectiva. Numa Europa fértil em clubes de futebol de grande sucesso, é um feito ter duas equipas portuguesas lado a lado numa Final onde chegam os melhores. Nem a visita da rainha de Inglaterra, que estará na cidade nesse dia, terá, por certo, força suficiente para fazer calar esse imenso grito de vitória que ecoará antes do jogo vindo dos adeptos das duas equipas. Por cá, as cidades de Braga e do Porto serão, na 4ª feira, um dos centros do mundo.
Folheando a imprensa do dia de ontem, sobressaem artigos especiais sobre Dublin, a cidade da Cerveja Guiness. No JN, lê-se que o Sporting de Braga ficará alojado num hotel junto à casa de Bono Vox. “Um castelo”, escreve-se. É adequado para estes guerreiros que vêm do Minho. A unidade hoteleira do Futebol Clube do Porto terá uma vista privilegiada para a praia dos vikings, assim conhecida por ser o local por onde esses invasores entraram na Irlanda. Está, pois, devidamente, assinalado que temos homens de fibra. Que deram sucessivas e vitoriosas provas no terreno. A “Fugas” do jornal “Público” dá amplo destaque àquela que designa como “a capital do futebol português”. Diz-se como chegar, onde comer, onde dormir… e pinta-se a cidade em tons ainda mornos no que diz respeito ao entusiasmo manifestado em relação a esta Final. Ainda faltam alguns dias, e os irlandeses que se preparem para a chegada de uma massa incontável de adeptos fervorosos. Sim, porque a festa do futebol declina-se sempre em ruidosas manifestações de alegria.
Por cá, Braga e Porto terão também muita movimentação. Que começa logo de manhã com os media a sentirem o pulsar dos apoiantes dos dois clubes. Algumas rádios nacionais vão instalar aí os seus estúdios para transmitirem em directo as respectivas emissões; as televisões vão manter equipas de reportagem em diversos locais e os jornais vão ter os seus jornalistas com um ouvido atento ao que dizem e fazem aqueles que habitam as duas cidades. Pelas redes sociais, haverá uma multidão de pessoas que escreverão em permanência prosa em defesa do seu clube. Não há nenhuma operação de marketing que projecte tanto uma cidade como um evento desportivo. Não há evento que se constitua como uma indestrutível cola do mundo como o futebol. É essa “viscosidade social”, situada na ordem da experiência vivida e percepcionada através de diferentes sentidos, que nos ata uns aos outros, não importando donde vimos ou para onde vamos. O que importa é que, naquele momento, estamos ali: a gritar pelo nosso clube.
Pela minha parte, devo reconhecer que gostaria muito que o Braga vencesse. Por várias razões: porque teve um excelente desempenho nesta Liga Europa; porque merece figurar entre os chamados “grandes”; porque os troféus não devem ficar sempre nas mesmas mãos. Mas, acima de tudo, porque sou bracarense e gostaria que Braga tivesse, através do futebol, uma projecção europeia. Mas, se não ganhar, vou regozijar-me pelo facto de esta final se falar em português. Antes do jogo, a festa é nossa: de Portugal. Num momento em que o país atravessa uma séria crise política, económica e social, é aconchegante sentir que há uma área que nos devolve alguma auto-estima, que nos restitui algum ânimo.
Na 4ª feira, no estádio Dublin Arena, há duas equipas lado a lado, a dizer-nos que Portugal merece estar entre os melhores. Porque se trabalhou para isso, porque houve motivação, porque se acreditou. Por isso, todos nós temos de assimilar esta lição vinda do relvado e celebrar colectivamente uma festa que é de todos os portugueses.
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