Correio do Minho

Braga, sexta-feira

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DUPONT ET DUPOND

Entre a vergonha e o medo

Ideias

2018-01-07 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

A desqualificação liminar de Santana Lopes é absurda. A política não difere dos amores comuns, e ele, como o mais anónimo dos apaixonados, merece uma segunda chance. Teoricamente.

Quanto o cargo de primeiro-ministro não fosse o sonho doce com que adormecesse desde os remotos da juventude, a hipótese que lhe foi apresentada, na deixa de Barroso, caiu-lhe do céu aos roldões, e leva a mais elementar das justiças que se admita que não estivesse devidamente preparado. As pessoas sérias afirmarão que não deveria ter aceitado; dirão, os demais, que não teria S. Lopes como recusar semelhante brinde de carreira, sem cair no epíteto abusivo de cobardolas.

Entretanto, nada o faz mais preparado hoje do que então. O regresso de S. Lopes à ribalta servirá um propósito puramente egoísta - o de se resgatar diante a opinião pública, e perante si mesmo. É louvável, mas a função de chefe da oposição, e putativo organizador de um governo, requer outras disposições.

Cede, S. Lopes, aos demónios que lhe entram Misericórdia adentro com cantos de sereia: seria ele, o eminente, o único qualificado para protagonizar o retorno do partido com dupla sigla aos bem-bons do Poder. Perfila-se, a clique, e alçam-no em ombros, como a andor. Anos corridos de solidão: espelho, espelho meu, haverá presidente do PPD-PSD mais notável do que eu? E eis que o espelho lhe responde com voz de gente!

Finalmente! Terá suspirado, sem querer aperceber-se que o puxarão a holofotes, por força da consensualização de interesses, mais do que pelo fulgor do que possa ter para propor. E já assim fora com o seu antecessor, Passos Coelho, prematuramente reformado das lides políticas, jota sem os necessários para a primeira divisão. E fez um papel menos mau, em face das contingências. Poderá o mesmo passar-se com S. Lopes? Estará ele fadado para crescer muito para lá da parte que lhe reservam?

Rui Rio intimida. Chega a parecer um bulldozer com carroçaria de berlina de nova geração. Ostenta maneiras de Sócrates e de Cavaco, e isso prejudica-o. É uma infelicidade, até porque Rio talvez tenha um plano estrondoso, coisa de monta para puxar Portugal de uma penada para o seculo XXII, empreitada a levar a cabo a partir da revitalização do próprio partido. Entendo que queira começar por arrumar a casa, novamente, certo sendo que irá dispor de tempo, que não cairá o Costa de um dia para o outro. Dá-lhe S. Lopes nas canelas, quando lhe diz que maiores críticas dirige Rio ao PSD, do que ao Governo. Eu teria ficado de olhos presos, se o tivesse ouvido replicar: como não, Lopes, estivesse tudo pelo melhor no nosso partido, e a nenhum de nós passariam estes trabalhos pela cabeça. Eles, no entanto, falam por guião. Encenações que estão nos antípodas do rasgo, da acutilância.

Lastimo não ser pessoa de apostas. Mais lamento que o PSD não me desperte o bondoso dom da profecia. Sobe-se aos ombros ou a pulso, e desce-se invariavelmente aos encontrões, no melhor dos casos para um exílio dourado. S. Lopes queimou o estrelato e queima, ao presente, a placidez de uma reforma sem sobressaltos. Será achacado aos azares.

Azares, que um nunca vem só. Que Rio e Costa cabem que nem os Dupondt de Hergé, sugere S. Lopes. Inversão involuntária de conotantes: Rio e Costa não se assemelharão pela burrice bem-intencionada das figurinhas. Se do Costa se louva o génio político, a arte de arrancar vitórias a ferros e de amansar oposições ferozes, a gemelaridade de Rio com Costa, então, por aí baterá, que sem querer Lopes o disse.

Hélas, mon pot, t’a mal tourné !

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