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E a “Europa pode morrer”?

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E a “Europa pode morrer”?

Ideias

2024-04-27 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

No dia 25 de abril (há dois dias), o Presidente da França, Emmanuel Macron, disse que “a Europa pode morrer”. Macron inspirava-se na ideia/alerta de Paul Valéry que, de resto, citou:” “Paul Valéry disse, no fim da 1ª Guerra Mundial, que as civilizações são mortais. Temos de ter a lucidez de perceber que a Europa é mortal. Pode morrer” – disse Macron, num discurso proferido na Sorbonne, no mesmo local (Université Paris I) onde há sete anos proferiu o seu primeiro discurso enquanto recém-eleito Presidente da França. O alerta de Macron referia-se diretamente à agressão armada perpetrada pela Rússia à Ucrânia. Macron deixou a sua ideia-força expressa de um modo claro: “O maior perigo para a segurança europeia, hoje em dia, é a guerra na Ucrânia”. É fundamental que a Rússia não vença, acrescentou.
Ora, nesta semana que agora termina, o Congresso norte-americano acabou, também, por desbloquear o “pacote” de ajuda à Ucrânia no montante de 61 biliões de dólares que, contudo, continua envolto em dúvidas relativamente ao seu impacto realmente decisivo, ou não, relativamente à posição da Ucrânia. O certo é que o dito “pacote” não corresponde a todos os pedidos de Kiev e começa a ser encarado, quer pelos analistas, quer pelas forças ucranianas como sendo uma ajuda importante, imprescindível, mas apenas isso: uma ajuda e não a “fonte” de resolução definitiva dos problemas (pelo menos, dos mais prementes problemas) das forças de resistência ucranianas.

Mas, na verdade, o que significa realmente esse risco de morte para a Europa? Em rigor, porque é que existe, agora, esse risco – ou, pelo menos, as cúpulas políticas entendem que é tempo de alertar os europeus sobre esse risco?
Ora, as “regras do jogo” mudaram e, como o próprio Presidente francês referiu no seu discurso, está em causa (ou emergem, agora, novos “cenários”) a geopolítica, a cultura, o comércio e a economia. E, desde logo, a rivalidade aberta entre os Estados-Unidos e a China, tornam mais evidentes essas mudanças de “cenário” e, por conseguinte, os riscos que sobressaltam a Europa. Expliquemos o nosso ponto e vista e a interpretação que julgamos adequada ao alerta lançado por Macron, em semana de celebração dos 50 anos do “25 de abril”. Toda a história da Europa (continente) e da integração europeia, desde há mais de 70 anos (pelo menos, desde 1951) entrelaçam-se e confundem-se, mesmo, em muitoas aspetos. A integração europeia como projeto político de paz e de crescimento sustentado (a expressão é atual, embora o seu sentido seja, desde os primórdios da integração, o mesmo), permitiu um renascimento do ideal de vida europeu, saído dos escombros da “2ª Guerra Mundial”. Uma reconstrução orientada pela superação os erros históricos que tragicamente marcaram o século XX. E se é verdade que, como dizia Kant (com as devidas adaptações terminológicas), as democracias não fazem, entre si, a guerra, a integração europeia solidificou o sentido democrático (e de “Estado de Direito” ou, centrando-se na União Europeia, de “União de Direito”) vigente e vivenciado na Europa (no continente europeu). O desenvolvimento e crescimento económicos de que, mais ou menos, as populações europeias foram beneficiando, a liberdade e a defesa dos direitos fundamentais formaram e consubstanciaram aquilo que se denomina o “modo de vida europeu”. Em grande medida, a Europa era e é a face mais brilhante e atrativa desse modo de vida que, numa perspetiva ainda estribada nas clivagens e tensões da “Guerra Fria”, se denomina como sendo “ocidental”. Os Estados-Unidos, eles próprios e/ou pela via da Nato, assumiram, numa espécie de repartição de tarefas implícitas, a defesa desse ocidente, dessa construção de vivência democrática, da qual, naturalmente, são o “pilar” insubstituível (mais forte?).

No entanto, com a guerra na Ucrânia, a ordem do mundo ocidental – em grande medida, a ordem mundial, na medida em que esta foi sendo construída a partir daquele “mundo ocidental” – começou a ser posta em causa. Não cuidaremos, agora, das razões, dos sentimentos e dos antagonismos civilizacionais que subjazem à posição da Rússia atual, “putiniana”. No entanto, percebemos que não vivíamos a era do “fim das guerras” pela conquista de territórios. Fomos confrontados com a dura realidade da aparência de “paz perpétua” não ser realmente mais do que uma ilusão (europeia). Acresce a isso que, numa perspetiva norte-americana, o foco das tensões e os receios de declínio económico por causa da ascensão e das pretensões da China (ser a maior potência económica até meados do século XXI). E a Europa, assim, na perspetiva norte -americana pode deixar de ser o bastião prioritário e mais intensamente simbólico do dito “mundo ocidental”! Uma Europa que cresceu e desenvolveu-se (“o nosso “modo de vida europeu”), muito na ilusão de que não necessitaria mais de ter uma defesa autónoma, própria. Uma Europa sem uma política efetiva de defesa e segurança comum. Uma Europa (e, em parte, com exclusão dos Estados-Unidos) um “ocidente” que cresceu socialmente, em bem-estar e em direitos, porque não tinha de suportar, de forma decisiva e incontornável, os custos económicos da defesa, da sua proteção. Uma Europa do “soft power” que, contudo, realmente, só existe se se insinuar como sendo uma face de um indiscutível “hard-power”! E agora, teremos de correr “atrás do prejuízo” histórico e rapidamente! Antes que uma nova ordem pós-guerra na Ucrânia chegue. E, na pior das hipóteses, se a Ucrânia de aspirações democráticas e europeias sucumbir a uma lógica de poder (de ocupação) autoritária e antiocidental…

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