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Escreve quem sabe

2021-01-23 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

A narrativa oficial, nestes últimos dias de catástrofe, tem sido, de certo modo, semelhante à da “cigarra e da formiga”! A cigarra somos todos nós, indistinta e difusamente. A formiga é aquilo que deveríamos ter sido, o nosso “ethos” ignorado, consciente ou inconscientemente. Na verdade, de heróis em fevereiro/março e abril do ano passado, passamos a “vilões” de 2021. O proble-ma é que, mesmo sendo “vilões”, adoecemos, morremos e, no fundo, damos (ou demos) “tiros nos pés”. Dito de outro modo, vivemos a incerteza das tragédias, nomeadamente, quanto ao respetivo fim e à sua duração. Estamos todos num estado de risco, “cigarras” ou “formigas”.

Claro que eu, pessoalmente, revejo-me pouco nessa espécie de narrativa oficial. Claro está que não é tempo para avaliações e balanços de atuações, nomeadamente, em relação aos decisores políticos e aos especialistas técnicos e científicos. No entanto, é preciso aprender com os erros para ainda podermos atenuar o nosso estado. E tirar algumas conclusões. Uma delas é a de que os denominados e idolatrados “dados científicos”, (são, muitas vezes, desculpa para indecisões ou desresponsabilizações), tal como os números e as estatísticas, servem para tudo e para o seu contrário. Muitas vezes parece que só não servem para ilustrar ou fundamentar o óbvio (simples conhecimento da realidade, com bom senso): é claro que os transportes públicos que necessariamente têm uma circulação minimamente intensa em período escolar, são espaços de contágio; obviamente que as escolas e as universidades abertas são igualmente fatores de disseminação exponencial do vírus.

Não é importante saber se as escolas, em si mesmas e isoladamente consideradas, suscitam mais ou menos infeções. Mas a envolvente criada ou potenciada pelas escolas abertas - a saber, milhares ou milhões de pessoas a circular, concentrações à entrada e saída para que as crianças sejam levadas e trazidas, os referidos transportes, os professores, os auxiliares e colaboradores, etc., etc – são, neste contexto pandémico que vivemos, um perigo óbvio. Claro está que nada, em si mesmo e isoladamente considerado, será centro difusor do vírus. Mas seja lá o que for que sirva a vida das pessoas, com as suas dinâmicas habituais, poderá transformar-se numa plataforma de contágio. Não são precisos muitos dados científicos para que se compreenda isto mesmo! E, na realidade, importa não esquecer que não serão as aulas “on-line” e a digitalização que criam desigualdades (óbvias, quando há, por exemplo, zonas do território que não têm acesso ao “sinal” para a internet); essas desigualdades já existem infelizmente. Marcam-nos e, enfim, ás vezes até parece, ouvindo certas opiniões, que não queremos fechar as escolas (por exemplo) para as continuarmos a esconder! Enfim, muito haverá a dizer e a refletir sobre estas coisas e contradições...

Estamos em plena quarta presidência portuguesa do Conselho de Ministros da União. No entanto, na imprensa internacional, mais do que assuntos europeus relacionados com a coordenação levada a cabo por Portugal relativamente à integração, fala-se da pandemia entre nós. A nossa situação compara-se com a da Lombardia, há um ano atrás. Não sei se já se equacionou o dano de imagem que, em termos de recuperação económica, a nossa situação nos provocará. Talvez por muito más razões, aprendamos de vez que não há que distinguir a vida das pessoas da economia. Não há sequer economia sem pessoas (e muitas vezes, parece que nos esquecemos disso!).
O que nunca nos devemos esquecer é do que seríamos se, com todas as atribulações e com a tragédia que vivemos, não estivéssemos integrados! Esta tragédia, sem Europa, sem capacidade negocial para adquirir as vacinas, sem o Programa de Resiliência e de Recuperação para dar alguma ilusão de esperança no futuro, enfim, sem a solidariedade da União - por pouca ou interessada e circunstancial que seja – como seria?

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