Enfermeiros portugueses em convenção internacional
Voz aos Escritores
2024-11-15 às 06h00
É um bom começo: ela. Isto a propósito de "vai de vela", expressão que, por terras minhotas e também nacionais, significa que foi e já não é, ou, em tradução mais linear, já não serve e é despedida do serviço. Ir de vela, de vento em popa, para mais rápido desaparecer. Por isso a palavrinha "ela", pronome singelo para referentes mais que complexos, e suas ramificações rimáticas. Neste âmbito das rimas, quando damos por ela chegamos a Calecu, que Camões pôs pelas índias e o tupi-guarani reserva para nome de quem governa. Isto é, de ela desembocamos em balela, insignificância que visitamos muito, e saltamos sem qualquer cela pelos meandros vocabulares. Aqui há tempos abespinhei-me na procura de rima para estrela, assim com "e" semi-fechado, e descobri o quanto as palavras nos roem as sinapses. É tudo aberto, meus senhores, e ainda ando em busca da explicação para tão privilegiada diferença. Se conhecerem uma, agradeço a informação, para registo e uso futuro. E depois, em banal exercício investigativo, lá se descobrem palavras de pouca utilização. Como "querela", que me lembra a célebre "querelle de clocher" que li num teste de francês dos velhos tempos e que tive muita dificuldade em traduzir. Lutas imbecis e fúteis também as temos por cá, em todas as geografias e feitios. Nem é necessário muito, que a cadela e a canela estão à mão de semear. Esta, para polvilhar a nata; aquela, porque não me larga nem um minutinho, sempre à cata da bucha, arranhando-me todo, que ela conhece todos os truques caninos. A Amorinha é uma chata do caraças, mas reconheço-lhe a perseverança. Fome não passa, que ela cuida bem de si. E se for costela assada, com osso de bem roer? O raio da cadela gosta de tudo, até de moela picante, que também termina em "ela", mas lhe dá cabo da saúde. Se lhes contasse meia dúzia de peripécias, que metem o Odin e tudo, escrevia uma novela. Um texto muito interessante, penso, que meteria a favela da Rocinha, a famosa trivela do Quaresma, a lapela do Costinha, com o seu fato de engenheiro, a donzela de vestido verde à sporting de Portugal, a piscadela do outro que descambou em valentes bofetadas, bem como a apalpadela sub-reptícia do Armindo, o filho do Sargento, que, enfim, nem vos conto mais. Não houve grande escorregadela porque eu fiz de conta que não vi e, presumo sem grande convicção, o Jorge também não. Estou aqui a pensar se mobilizo a palavra "prequela", pois passou-me pela ideia pintar uma tela literária que preceda todos estes acontecimentos, mas, porém, no entanto e todavia, penso que teria depois dificuldade para limpar a sequela decorrente. Uma coisa lhes digo, caríssimos e pacientíssimos leitores: isto de cronicar nas asas das rimas tem que se lhe diga, e é bem mais fácil colá-las em versos decassilábicos que nem precisam de relembrar Camões. Rimas com asas, ora digam lá se não é bonito…
Porque eu tenho cá para mim que, se a rima é bela, revela. E ela, logicamente, já não vai de vela.
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