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Eleições sem chama

A Cruz (qual calvário) das Convertidas

Ideias

2011-01-23 às 06h00

Felisbela Lopes Felisbela Lopes

Hoje a abstenção é a grande incógnita das eleições à Presidência da República. Para trás, ficou uma campanha anacrónica, com um debate pobre, sem figuras de primeiro plano em palco e nas arruadas a aclamarem sem reserva o seu apoio a determinado candidato. Com as tecnologias a permitirem quase tudo, as candidaturas esqueceram-se dos cidadãos. Ouviram-se os candidatos, mas estes não escutaram aquilo que os eleitores tinham para lhes dizer. Feitas as contas, estes dias não foram profícuos e, no fim, há uma conta para pagar. Dividida pelos portugueses.

Qualquer acto eleitoral exige avultados investimentos. Fazer rolar uma caravana pelo país não é para qualquer um. A logística é complexa e dispendiosa. Atrás do candidato labuta uma grande equipa com tarefas diversificadas e à sua volta há uma plêiade de jornalistas que perscruta tudo. É extenuante.

Logo no início da campanha, um dos candidatos anunciou que prescindia de cartazes. Para poupar. Foi uma boa ideia. Mas, em termos comunicacionais, outros meios continuaram activos. Como os tempos de antena. Poder-se-ia pensar que esses espaços que vamos vendo e escutando em período eleitoral são da responsabilidade dos seus promotores. Em parte sim, mas há também outra parte que importa considerar: aquela que o Estado subvenciona. Este ano, a verba, a este nível, rondou os três milhões de euros. Em tempos de crise, é muito.

Hoje haverá 9.6 milhões de eleitores chamados a votar, o que exige o funcionamento de 12 mil mesas de votos espalhadas por todo o país. Nessas salas estarão 12 milhões de boletins de voto, ou seja, 41 toneladas de papel reciclado, o que também quer dizer 214 mil euros. Para nos entregar o nosso boletim, mobilizaram-se 60 mil pessoas que voltam a receber os 76,32 euros/dia já praticados nas três eleições de 2009. Tudo isto custa dinheiro. A todos nós.

Em dia de eleições, a minha expectativa concentra-se na noite eleitoral promovida pelos media. Devido à minha profissão, concentro aí grande parte da atenção. Em todos os actos eleitorais, ali estou eu presa ao ecrã, saltando de canal em canal, para perceber como se organizam as candidaturas nos bastidores e como, nas régies, os coordenadores vão controlando os tempos dos políticos.

Num texto sobre noites eleitorais, escrito o ano passado, eu e a investigadora Nilza Sena escrevemos isto: “as noites eleitorais das televisões portuguesas são sempre rodeadas de forte estratégia promocional, muita vontade de inovar e indemne concentração dos melhores valores. Configurados para responder ao desafio de equivaler à expectativa do telespectador, procurando com o maior número de meios fidelizar as audiências, os operadores televisivos digladiam - se permanentemente para melhor impressionar quem os vê. Contudo, apesar desse esforço e do benévolo serviço que as televisões querem prestar, essas emissões acabam por ser miméticas, ao mesmo tempo que redundantes e repetitivas”. É assim, eleição após eleição, mas em cada um delas aí estou eu à espera que alguém me surpreenda.

Esta noite o meu posto de vigia será montado num dos estúdios da Antena 1 onde integrarei um especial eleições, moderado por Maria Flor Pedroso. Estarei particularmente atenta à cobertura mediática e estenderei um olhar até às redes sociais para sentir o pulsar do debate “on line”. Depois de uma campanha que praticamente ignorou as potencialidades da Internet, será curioso indagar aquilo que os internautas escrevem no espaço digital.

Faltam, então, poucas horas para saber quem ganhou estas eleições. Nesta tarde de sábado em que escrevo este texto sinto muito desencanto por tudo o que está à minha volta. Acho que perdemos todos. Perdemos uma oportunidade de fomentar um debate que ajude a dar a volta a isto. Em fundo, oiço um relato do futebol. É isso aí: à falta de entusiasmo para fazer alguma coisa válida, entretemo-nos com a bola. É este o nosso país. Que tristeza.

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