A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2019-03-11 às 06h00
Há três anos, numa conversa com a jornalista do jornal Público Leonete Botelho, que acompanha em permanência a Presidência da República, comentávamos que Marcelo Rebelo de Sousa iria imprimir uma marca nova em Belém. E isso, na verdade, precisava de ser analisado. E se fizéssemos nós isso? O desafio era tentador. Ao longo deste tempo, entrevistámos muitas pessoas, seguimos discursos, lemos inúmeros relatos jornalísticos, observámos o Presidente no terreno e fomos nós próprias interpretando o que era feito... O resultado deste aturado trabalho está no livro Marcelo – Presidente todos os dias que é apresentado, quinta-feira, no Porto, pelos conselheiros de Estado Luís Marques Mendes e Francisco Louçã.
Como escrevemos, Marcelo Rebelo de Sousa é um homem afectuoso por natureza. Gosta de pessoas e cultiva a proximidade. Com todos. E sabe que esse modo particular de ser lhe rende uma enorme popularidade que agora, enquanto Presidente da República, o dota de um colossal poder político que lhe permite fazer (quase) tudo. Desde o dia um do mandato que procura puxar para junto de si o povo, esse que lhe conferirá sempre o poder de que precisa para se impor naturalmente a todos e o dotará da legitimidade necessária para conduzir a sua ação política por onde quiser.
É para o povo que este Presidente dirigirá sempre as suas prioridades, porque é a partir dele que levantará a sua marca distintiva. E como não é possível chegar a todos com igual intensidade, Marcelo Rebelo de Sousa serve-se dos media como uma espécie de átrio de poder que vai redimensionando em permanência, sem precisar de apuradas assessorias mediáticas. Porque ele conhece, como poucos, o grau de construção que os conteúdos jornalísticos podem alcançar.
Poderá perguntar-se se todos os seus gestos são espontâneos ou fruto do cálculo astucioso de um político que sabe, afinal, ser maquiavélico... Os jornalistas que o seguem por toda a parte são unânimes na resposta: Marcelo poderá, em determinados momentos, encenar alguns afectos, mas aquilo que mostra espelha aquilo que é. “Se não gostasse tanto de pessoas, não aguentava a agenda impossível que tem e as solicitações impensáveis com que é confrontado nas ruas”, asseguram os repórteres. É esta a marca que quer deixar na história, ser o Presidente dos afectos, um Presidente próximo. De tudo. E isso não é alcançável apenas através dos abraços que dá. Marcelo precisa de projetar à escala nacional uma determinada imagem de si. É esse o trabalho dos media que este PR nunca negligencia.
Para onde quer que vá, os jornalistas seguem-no, fazendo dele o principal, e muitas vezes único, frame noticioso. Estando no epicentro daquilo que se passa, Marcelo, num mesmo passe é protagonista do evento em que participa, comenta a atualidade do momento, manda os recados políticos que se impõem e, não menos importante, olha de forma especial para as bordas dos lugares por onde passa. Ali estão as pessoas que lhe conferem a popularidade que acumula e que, através dos media, haverá de ser multiplicada por todo o país. É esta profundidade da superfície que Marcelo cultiva, encarando os lugares que visita como o cimento de uma vida comum que ele procura a partir do cargo que ocupa graças à cobertura mediática de que é alvo.
Ainda a considerável distância do tiro de partida para as presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa já lançou os dados e definiu as regras do jogo. Em cada discurso, em cada afeto, foi compondo os termos de um contrato com os portugueses, cuja validade serão cinco anos para além do atual mandato. Este caderno de encargos, laboriosamente “escrito” a cada dia da jornada presidencial, encerra para Marcelo uma vantagem absoluta: só ele tem o perfil para ser o que, agora, as pessoas desejam para um Presidente da República. E ajudar no terreno a travar tentações populistas, que são hoje uma das grandes preocupações de Marcelo.
No entanto, não se pense que um segundo mandato constituirá um tempo tranquilo em Belém. A partir de 2019, qualquer que seja o resultado legislativo, haverá novos contextos: político, social e económico. Marcelo Rebelo de Sousa, a cumprir um segundo mandato, terá que introduzir outros traços distintivos para além dos afectos e dos consensos e isso passará inevitavelmente por ser mais disruptivo em relação aos poderes instituídos, Governo incluído. É, pois, de desafios que se construirá o futuro. Resta saber se Marcelo Rebelo de Sousa estará preparado para ser Presidente em tempos de combate.
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