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Ensaio sobre a cegueira

O fim da alternância

Ensaio sobre a cegueira

Ideias Políticas

2020-05-20 às 06h00

Hugo Soares Hugo Soares

A pandemia que arrevessamos levou-me, de novo, a Saramago e ao “ensaio sobre a cegueira”. Não, não voltei a ler um dos romances mais impressionantes que li. Mas a analogia ao momento político assaltou-me.
Durante dois meses ninguém no espectro político partidário foi capaz de denunciar, como compete à oposição, o caos em que vivemos.
Sim, sabemos todos que António Costa subiu nas sondagens e na popularidade. Sabemos que Portugal, perante o exemplo que vinha de Itália e Espanha, foi lesto a confinar. Também sabemos que António Costa esteve bem com os assombros xenófobos de André Ventura. E não esteve pior quando decidiu promover encontros de responsáveis partidários e outras instituições com os especialistas que acompanham a evolução da pandemia em Portugal. Sim. Esteve bem. Mas não é isso que compete a um governante?

Mas, não nos permitimos ir mais além? Será que de um momento para o outro o país político anestesiou (ou já assim estava) e deixamos de ter a capacidade de mostrar que nem sempre quem tem olho é rei? Será que o amorfo da oposição política se confunde com a confortável posição de deixa andar?
Nestes meses, Portugal assistiu a governantes a posarem para a fotografia quando chegam aviões com esquipamento que devia ter sido adquirido a tempo. O ridículo da pose dos governantes é verdadeira terceiro mundista a roçar o bacoco.

Nestes meses, Portugal assistiu a uma diretora geral de saúde capaz de dizer uma coisa e o seu contrário com a desfaçatez e impunidade de quem sabia que não se mudam generais em tempo de guerra.
Nestes meses, Portugal assistiu a uma ministra da saúde que, com saudades de ouvir o hino da CGTP para relaxar, autorizou que o tocassem em plena Alameda perante mais de mil pessoas... com o resto do País em estado de emergência.

Nestes meses, Portugal assistiu a anúncios seguidos de apoios a empresas (linhas Covid, dizem eles), e a realidade é que quem mais precisa nem lá perto chegou.
Nestes meses, Portugal sabe que as empresas ainda não receberam o que lhe és devido para pagar aos trabalhadores que estão num lay off... que devia ser rápido e simples, mas é afinal ultra complicado.
Nestes meses, Portugal assistiu e aceitou que no 25 de Abril de alguns se escolhesse quem eram os eleitos que nos representavam, colocando o voto democrático na gaveta, numa cerimónia, com deputados de primeira e deputados de sofá.

Mas pior:
Portugal sabe que tem um governo que inverteu a privatização da TAP para poder governar sem ganhar eleições (imposição do BE e do PCP para assinarem as famigeradas posições conjuntas). E agora sabemos que é a intenção do Governo (pelos vistos com o beneplácito do principal partido da oposição) injectar capital (ou melhor dinheiro dos nossos impostos) naquela empresa para assim terminar o processo de nacionalização da TAP para gáudio do BE, do PCP e do ministro Pedro Nuno Santos (repito: com o beneplácito do PSD). Mais uma vez se demonstra que são os portugueses que pagam com língua de palmo a sobrevivência política de António Costa e de uma empresa que já todos percebemos que não tem qualquer viabilidade nos moldes que a conhecemos. E o que dizer do silêncio ensurdecedor que vai do governo e dos seus apoiantes de esquerda ao maior partido da oposição agora que se sabe que a central nuclear de Almaraz está autorizada a funcionar até 2028? Em tempos idos, era o Governo que era fraco; era chamado o MNE ao parlamento para dar explicações e ao Ministro do Ambiente o mínimo que se lhe exigia era a demissão.

Por último, assistimos à trapalhada da injecção de capital via fundo de resolução no Novo Banco. Tivemos de tudo: um Primeiro-Ministro que desconhecia informação crucial; um Presidente da República que desautoriza em direto um Ministro das Finanças; um Primeiro-Ministro socialista que lança a recandidatura de um Presidente da República social-democrata no meio de uma fábrica de automóveis; um Ministro das Finanças que troca a sua verticalidade pela promessa de ser Governador do Banco de Portugal (uma vergonha!!); e um Presidente do PSD que desautorizava deputados por pedirem a demissão de ministros (dizia então que “não era o seu estilo”) e que na mesma semana pediu a demissão do Ministro das Finanças três vezes...

É desta apatia coletiva que nasceu a ideia que quem crítica não tem patriotismo. Que temos um Presidente do PSD que pode ser Primeiro-Ministro que equipara as empresas de comunicação social às empresas de fraldas. Que temos uma Ministra da Saúde que se desdiz impunemente no meio da maior crise de saúde pública de que temos memória; que temos uma Ministra do emprego e da solidariedade social que desmente o Ministro da Economia. Que temos um Primeiro-Ministro que passa pelos pingos da chuva como quem ”tem olho em terra de cegos, é rei”. Não. Não tem que ser assim.
É tempo de virar de página. De páginas, aliás. E rápido.

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