Entre decisões e lições: A Escola como berço da Democracia
Ideias
2025-04-23 às 06h00
In Memoriam José Mattoso (1933-2023), Historiador
Por vezes esquecemo-nos mas, através da História, revisitamos aquilo que, enquanto Humanidade, fomos construindo ao longo do tempo e que, afinal, constitui um poderoso legado que merece ser revisitado e estudado. Qual será o segredo para ser um bom Professor de História?
Desde logo, Amar o que se faz. Se escolhemos esta vocação - porque o é! - é porque decidimos dedicar uma parte substancial do nosso destino a compreender e a descodificar a vida, o sentir e o pensar da Humanidade. Não é coisa pouca e, na verdade é sem favor, uma das profissões mais nobres que se poderá abraçar! Porquê? Porque se não soubermos quem somos nós arriscamos a perder-nos na “floresta dos enganos” das notícias falsas, da despersonalização das coisas e deste novo império tecnológico de um individualismo exacerbado e agressivo pensando que, afinal, é o único caminho possível quando não é. A História mostra-nos uma pluralidade de caminhos, de formas de pensar e de ser e isso é altamente recomendado e saudável.
Por outro lado, ser curioso e ter capacidade de escuta ativa. Não há dúvida que quem quer abraçar esta Profissão precisa de querer aprender sempre, ler, ver obras de arte, falar com pessoas e ter um espírito investigativo permanente. Se assim não for, torna-se difícil perceber porque se escolheu este caminho de felicidade. É muito pouco chegar à sala e ler - ou colocar os alunos a ler - o texto do manual escolar ou uma fonte histórica primária ou secundária só para justificar o salário ao final do mês. Este é o grande caminho para os alunos ganharem, no atual contexto, aversão e antipatia pela disciplina.
Gostar de contar uma boa história, comunicar, conviver e de estar com quem pense ou não da mesma forma. Ensinar sobre o que já passou e é, sobretudo, encarnar e vestir um papel. É viajar lá atrás e usar todo o nosso equipamento natural - voz, linguagem não verbal, gesticulação, olhar e movimento do corpo - para cativar a compreender como as coisas podem ter acontecido e, assim, interpretar, ler o passado. Nesse aspeto, um trabalho de ator, de encenador da grande trama que é a vida humana, mas também de detetive, de alguém que deseja reconstituir o que se passou - da forma mais científica, rigorosa e motivadora possível. E é aqui que nasce a História Viva, que já se pratica há várias décadas e em distintas geografias. Na sala de aula pode - e deve - nascer também um conceito didático que estou a trabalhar com o meu colega Sérgio Veludo Coelho e que designamos de “Historytelling” e ao qual voltarei numa próxima crónica, mais em detalhe.
E, por último - mas não menos importante - perceber que ensinar História é o caminho para construir uma Humanidade melhor e uma Sociedade mais coesa e consciente do seu papel no Mundo. O que não é coisa pouca! Este é talvez o elemento que faz a diferença entre um Bom e um Excelente Professor de História. Evidentemente que um bom profissional deixa a sua Alma na sala de aula em cada encontro com os seus alunos. Cada aula, cada tema, cada atividade pensada com carinho e com intencionalidade educativa é uma forma de construir conhecimento histórico nos alunos de forma, desejavelmente, autónoma e com o sentido que cada um atribuir ao ato de aprender. É um ato de Amor, não há dúvida, tantas vezes não correspondido… E porquê? Talvez porque falte a sintonia entre quem ensina e quem aprende. “Ah, isso é uma seca!”, “para que é que eu preciso de saber isso?”, “em que é que isso me vai ser útil?” - frases cruéis e lancinantes que se esquecem do essencial: então, afinal, porque é que nascemos e estamos neste mundo? Esta deveria ser a pergunta! Porque se não soubermos o significado dela, dificilmente percebemos o sentido fundamental da História na nossa vida. E qual será o segredo para querermos aprender História?
A História ajuda a interpretar e a conhecer os caminhos, os sentidos que se foram dando - e as várias respostas a necessidades prementes e básicas que, sem qualquer sombra de dúvidas, nos ajudam a ter uma noção de perspetiva, de alteridade. Quando só havia inteligência natural (e ela era estimulada de diversas formas e processos) a Humanidade conseguiu encontrar recursos, respostas e soluções para quase todos os problemas. Fosse através da experiência constante, fosse através da diálogos quantas vezes tensos, mas vivos, fosse ainda por um processo de tentativa-erro que se foi testando e aperfeiçoando, fomos aprendendo em conjunto e partilhando as nossas dúvidas e incertezas em conjunto e usando os nossos próprios equipamentos naturais - visão, tato, audição, olfacto, pensamento crítico e criativo, escuta ativa, capacidade de ler e escrever, contar, calcular e, sobretudo, de criar Arte (algo que mais nenhuma criatura consegue fazer!).
Hoje, como fazemos? Contemplamos, passiva e acriticamente, ecrãs, os novos objectos de adoração contemporânea. E esperamos que com uma pergunta (tantas vezes displicente) nos seja dada uma resposta (de preferência, que nos resolva um problema super hiper mega imediato). Repare-se que não estou a diabolizar a inteligência artificial - ela é indiscutivelmente útil e um recurso importante a ser usado – mas vai desenvolver em nós uma preguiça natural e uma vontade de não usarmos os nosso equipamentos e recursos naturais. Ela deve ser, apenas e tão só, um ponto de partida. E este parece-me um debate que tem que ocorrer na Educação, no Ensino e na Didática da História (e não só!).
Até porque as respostas da inteligência artificial generativa são, no caso da História, parcas e incompletas - muitas vezes erradas, como já pude constatar e questionar os sistemas abertos em causa (sempre com respostas educadas do outro lado, mas evidentes embaraços dos “sistemas”). Estas próprias plataformas vão necessitar de milhares de dados e perguntas equivalentes para aperfeiçoarem as respostas. Até porque, no caso vertente e concreto da História, estamos a falar de não um, mas vários caminhos de interpretação para o mesmo assunto - e isso torna o papel e intervenção da IA muito mais difícil: se nas áreas STEM pode fazer sentido, nas Ciências Socais e Humanas, Artes e Humanidades, ciências naturalmente abertas à criatividade, ao exercício da liberdade humana, é muito mais exigente e difícil este processo. Tenho estado em várias formações enquanto docente do ensino superior e vejo muito deslumbramento e endeusamento destes sistemas mas, na verdade, pouco questionamento sobre o que estamos a perder ao usá-los: e acho que, honestamente, devíamos falar sobre isto. Já não somos crianças.
É por isso, Caros Leitores, que devemos resgatar a Alma. O Sentido. Ensinar e Aprender com Paixão, com vontade e curiosidade regressando às origens, à infância, quando começamos esta caminhada e tínhamos vontade, desejo e real necessidade de encontrar respostas por nós mesmos, sem qualquer recurso artificial.
Porque estamos cá? E, provavelmente, voltar à Grécia e aos Gregos - “conhece-te a ti mesmo” era o que os visitantes encaravam quando entravam em Delfos, no Templo e Oráculo onde, há 2500 anos, se procuravam as respostas para as perguntas mais gritantes da existência.
Acredito que temos de voltar a essa inocência perdida para reencontrarmos o verdadeiro sentido da nossa existência e não sermos tiranizados - porque isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde - pela máquina, pelos algoritmos (que estão a destruir as nossas vidas e as dos nossos filhos) e por um consumo desenfreado que, a meu ver, é apenas uma forma de criar novas divindades derrubando as antigas só que, mais uma vez, perdendo muita coisa pelo caminho.
Não tenho medo de levantar este tema porque ele me parece fundamental do que vou observando e sentindo na formação de professores e educadores e contacto com as comunidades educativas. Não ficaria de bem com a minha consciência se não lançasse alertas que, me parece, podem ser úteis num debate mais alargado. Até ao próximo mês, com mais História, Memória e Identidade Cultural para conversarmos!
15 Maio 2025
15 Maio 2025
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