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Ensino: O que irá sobrar?

O fim da alternância

Ensino: O que irá sobrar?

Ideias Políticas

2023-01-17 às 06h00

Fernando Costa Fernando Costa

Como filho de uma professora, tive a oportunidade de assistir in loco ao desmoronar gradual de uma paixão por ensinar, sendo a mesma desfragmentada gradualmente em relatórios de avaliação, regimes de recrutamento, critérios de recolocação e em outros pontos igualmente (des)interessantes que resumem hoje as carreiras dos professores numa espécie de tabela periódica sem qualquer propriedade digna de registo, provocando no setor uma morte tão lenta como esperada.
Ainda assim, tive a feliz fortuna de, em criança, ter tido acesso ao ensino público de uma forma minimamente satisfatória, contando com um corpo docente que conseguia ainda resistir a tamanha teia burocrática, onde as máscaras, o distanciamento dos colegas e o ensino à distância eram ainda tópicos desconhecidos àquela geração.
Cerca de uma década depois, à margem de muitos outros setores em Portugal, não só não observamos qualquer evolução ou mudança significativa dentro do setor da educação, como ainda levamos com a tal pandemia que acelerou – e de que forma – uma separação quase total entre os jovens alunos e os seus estabelecimentos de ensino, tornando hoje quase irreversível o enorme prejuízo nos seus processos educativos (que vão muito mais além do que aprender Geografia, História ou Matemática).
Os alunos que hoje terminam o 4º ano da escola primária, por exemplo, são indubitavelmente os mais prejudicados, porque não tiveram – pura e simplesmente – um ano normal no que toca à educação. Falámos, portanto, de uma geração inteira que ainda ouve com (uma triste) curiosidade o que é um dia em que vão à escola, têm aulas, aprendem coisas, e regressam posteriormente a casa.
Olhando para as atuais reivindicações dos professores e às sucessivas greves que tem levado milhares de pessoas às ruas, creio que somando tudo, chegamos sempre ao termo que já se arrasta desde a última grande manifestação, em 2008: a dignidade dos mesmos. E o curioso é que o estado socialista, de quem supostamente defende mais do que ninguém os trabalhadores, é hoje o alvo destas manifestações. Ainda mais curioso é que este mesmo estado socialista, que tanto ataca o setor privado pelos seus benefícios, alega que os professores das escolas públicas estão a ser manipulados quando estes levantam a voz em contestação. Até as próprias greves foram alvo de escrutínio do Ministério da Educação, tentando questionar a legalidade das mesmas, com uma atitude persecutória de tentar impedir o direito à liberdade.
Mas saltando este ponto particularmente grave, em que ponto estamos nós então, desde 2008? Os professores procuram restabelecer os seus tempos de serviço – congelada em dois períodos diferentes – e os alunos procuram simplesmente recuperar um tempo perdido que já não poderá ser restabelecido, por mais negociações que se façam. As escolas públicas perderam qualquer autonomia, e a educação divide-se hoje em dois planos (a que ainda existe): a educação para ricos, e a educação para os pobres. Entre muitas outras bases, são estes os contornos de um problema transversal e quase intemporal, e que se vai intensificando para um ponto sem retorno, de um país que se esqueceu que tudo começa… na escola.
Mais do que olhando à esquerda ou à direita, devemos olhar para o setor da educação como um problema central que será determinante para o futuro do nosso país, e das gerações inerentes ao mesmo. Enquanto não o fizermos, continuaremos a ligar a televisão e ver o primeiro-ministro referenciar a “geração mais qualificada de sempre”, dentro de uma realidade onde, na verdade, ninguém quer ser professor, e quem quer ter aulas, simplesmente não as tem.
Voltando a fazer um paralelismo com o passado, recordo-me que o meu primeiro livro de ficção ser O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry. A minha Mãe que me perdoe, mas com o que vemos hoje, temo que o primeiro livro de ficção dos meus filhos seja a simples história de um menino que vai à escola. Ou da menina que queria ser… professora.?

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