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Equívocos democráticos? Um preço (apesar de tudo) necessário

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Equívocos democráticos? Um preço (apesar de tudo) necessário

Ideias

2023-10-14 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

Pouco tempo depois da “rentrée” (setembro de 2023), o mundo dito ocidental é confrontado com o que continuava a não esperar: a guerra. Já não só na Ucrânia, como também, desde há uma semana, no médio oriente. Note-se, em rigor e diferentemente do que sucedeu com o ataque militar da Rússia à Ucrânia, o conflito palestino-israelita nunca deixou de existir e de se sentir, mais ou menos intensamente, desde 1948. Não se trata, portanto, de algo (de uma guerra) imprevisível, surpreendente. A fação palestiniana dominada pelo Hamas, entende a guerra a Israel como uma questão de identidade existencial, refletindo um cocktail explosivo de intransigência humana e disfunção civilizacional, uma militância religiosa radicalizada, uma impossibilidade de comunicação e também uma luta por interesses materiais. Pelos relatos que sempre nos foram chegando, a corrupção é um estado de vida. Corrupção em benefício do Hamas, bem entendido. Há a invocação de justificações alegadamente históricas. Em rigor, de parte a parte, ou seja, quer de Israel, quer do Hamas. Por vezes, com efeito, a História é utilizada como os números e como as estatísticas: bem torturada, serve para invocar legitimidade para tudo e mais um par de botas!

Há uma semana assistimos a um bárbaro e inumano ataque terrorista do Hamas (através das suas brigadas Al-Qassam) a Israel. Qualquer que seja a perspetiva de análise, as simpatias políticas e ideológicas, as afetividades e até mesmo os gostos (por exemplo, os célebres lenços palestinianos – imagem de marca de Yasser Arafat – tiveram muita atratividade estética e de estilo, junto de jovens e aspirantes a jovens mais velhos, nos países europeus), o facto é que existiu um premeditado (e, por isso, ainda mais inumano) ataque terrorista, movido por um ódio extremo, instintivo e, naturalmente, com um “racional” absolutamente irracional. Quer dizer, quaisquer que sejam as razões abstratas e intelectualizadas (ou pretensamente intelectualizadas) para proclamações de guerra, o facto é que perante pessoas e vidas em concreto, costumam vislumbrar-se algumas centelhas de Humanidade; a compaixão e a natural solidariedade mínima com o outro (ainda que inimigo) costuma impor-se. É uma manifestação de vida. Foi o que não aconteceu, de todo, com o ataque do Hamas!

É claro que os palestinianos não são todos soldados do Hamas. O Hamas não é sequer um sujeito de direito internacional - é um grupo terrorista, aparentado à “Irmandade Muçulmana” e ao auto denominado “Estado Islâmico”. O Hamas resulta de uma cisão radical entre palestinianos. Tomaram o controle (na sequência de eleições, recorde-se) da faixa de Gaza, território encravado entre o Egipto, Israel e o mar mediterrâneo. Contestam a própria Autoridade Palestiniana, estabelecida na Cisjordânia e, ao contrário desta, não aceitam o velho princípio (viável? inviável?) proclamado pela ONU e pela comunidade internacional: a existência de dois estados, o palestiniano e o israelita. O Hamas nasce proclamando o objetivo de exterminar o Estado de Israel. Cultiva e impõe, para além de uma corrupção atroz, um ódio de raiz contra tudo o que aparente ser judeu. São conhecidas as imagens de crianças de tenra idade, na “faixa do Hamas” (faixa de Gaza), empunhando e brincando com metralhadoras, berrando, na sua tenra ingenuidade, slogans anti-Israel.

E Israel? Israel prepara-se para continuar a perpetrar violações que têm sido recorrentes, contra o Direito Internacional Humanitário. Quer uma vingança épica, do tamanho do mundo.
Com a justificação alegada da sua própria sobrevivência e, por conseguinte, com a missão existencial de exterminar o Hamas. Já nem falo dos intermináveis assassinatos civis, nem da política da proliferação de colonatos ilegais, precisamente na Cisjordânia. Ora, Israel prepara-se para reverter, adotando-o, o desejo existencial e motivacional do Hamas (empurrar todos os judeus de Israel para o mar), fazendo o mesmo a quem está preso na faixa de Gaza, cortando a água, a eletricidade, tudo e tornando tal faixa do Hamas terra queimada, salgando-a depois! Na verdade, grande parte dos Israelitas, assim como os seus políticos dirigentes, segundo o que nos é transmitido pela comunicação social, dizem: “humanitarismo por humanitarismo, logo, faremos o mesmo que o Hamas e ninguém nos pode dar lições de moral”.

Ora, compreendo (embora não justifique) esta posição, esse sentimento de vingança. Na verdade, também tenho dúvidas de que seja efetivamente possível, na faixa do Hamas (em que tudo é absolutamente controlado pelos terroristas), conseguirem-se distinguir militares de “civis”! Não parece possível ultrapassar o ódio que grande parte dos palestinianos controlados pelo Hamas, cultiva (quer queira, quer não) em relação a Israel. O Hamas que, pelo que se vai sabendo, transforma sistematicamente a ajuda humanitária (nomeadamente, da UE) em ajuda militar.

No entanto, ainda que isso pareça impossível, importa que Israel resista à tentação de mimetizar o Hamas. Por mais trágicos que sejam os tempos e as circunstâncias, eles serão muito piores se os sinais de vida da democracia humanista (“ocidental”) se perderem definitivamente. Trocaremos a vida (mesmo muito difícil) pelas trevas pré-iluministas. Pior: pela selvajaria! Ainda que o respeito pelo Direito Internacional e a solidariedade humana (mínima que seja) possam parecer equívocos inconsequentes, é fundamental segui-los. Senão, também nos negamos a nós próprios e à democracia em que acreditamos. E, Caro Leitor, sem que isto tenha alguma coisa a ver com posições dúbias de “apoio a Israel, mas…”. Esse inequívoco apoio (e condenação do Hamas) é compatível com o respeito pelo Direito Internacional que temos.

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