Correio do Minho

Braga, terça-feira

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Equívoco

A responsabilidade de todos

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Conta o Leitor

2021-07-27 às 06h00

Escritor Escritor

José Handel de Oliveira

Ainda mal acabara de almoçar quando o telefone tocou. Sem identificar o número que aparecia no ecrã, resolvi atender. E, com surpresa minha, uma voz juvenil e cristalina, indagou-me se estava de boa saúde. Ao responder afirmativamente, reconheci a minha interlocutora. Era a Branca Maria, uma jovem professora universitária que tinha conhecido quando da minha estadia nos Açores, e que me informou que estava em Braga, onde vinha conferenciar com o seu patrono, professor da Universidade do Minho, sobre a tese que estava a elaborar. Afirmei-lhe que teria muito gosto em encontra-la. Respondeu-me que passava a tarde na Universidade, mas que antes de jantar, me telefonava para marcamos a hora e o local em que nos reuniríamos. Concordei e esperei, com certa ansiedade, por aquele telefonema, não só para estar com a Branca, mas também para saber notícias da terra e das gentes que tive o gosto de conhecer naquelas ilhas.
Ainda não eram 20H00, quando a Branca me telefonou e acordamos que iriamos jantar ao “Viana”. Para lá me dirigi, escolhi uma mesa que estava posta para duas pessoas e não tardou muito que chegasse a minha amiga Branca. Vinha bonita, num elegante vestido que deixava transparecer a sua juventude, e reparei até uns sapatos de salto alto que melhor mostravam as suas pernas, bem torneadas. A Branca não era bela, mas a sua elegância, o ser desinibida, a sua voz doce e os seus olhos cintilantes, davam-lhe uma graça que encantava qualquer um.
Ergui-me para a cumprimentar e ela logo segurou as minhas mãos, deu-me dois beijos na face que me fizeram estremecer. No entanto, refreei o meu entusiasmo, lembrando-me que eramos apenas amigos.
Enquanto esperávamos que nos trouxessem a comida que tínhamos escolhido e bebericando um bom vinho verde, bem fresco, que já enchia os nossos copos, a Branca, entre sorrisos e pequenas gargalhadas, foi falando das pessoas que ambos conhecíamos, das quais sentia saudades, e de alguns dos acontecimentos mais marcantes, verificados naquelas terras distantes.
É claro que ela também quis saber o que se passava comigo. Contei-lhe que me sentia feliz pois tinha o amor dos meus filhos, recordações saudosas dos entes queridos que tinham falecido, que gostava imenso do trabalho que fazia, onde, além de me sentir realizado, me proporcionava viagens por todo o continente português, pela Madeira e até a Espanha. Com um sorriso maroto, perguntou-me como ia o meu coração. Sem entrar em pormenores, disse-lhe que depois de ficar só, já conhecera várias jovens e menos jovens, mas que passado o entusiasmo inicial, tudo acabara com excepção da amizade que, nalguns casos, se mantinha. Foi, então, a minha vez de querer saber se a Branca já tinha alguém na vida dela. Entre sorrisos disse-me que não, pois os rapazes que conhecera, não lhe despertaram qualquer paixão e pertenciam a um passado de que não guardava recordações.
Como eramos ambos gulosos, não dispensamos uma doce sobremesa, mas resolvemos tomar café na cafetaria que todos os dias eu frequentava e que era o “Canoa”. Sempre rindo e trocando piadas, chegamos àquele café e, com tanta sorte, que até a minha mesa preferida que ficava num canto, estava disponível. Mal tínhamos começado a saborear a aromática bebida, quando entrou no estabelecimento um sujeito, de meia-idade, que me cumprimentou com um aceno de cabeça. A Branca, curiosa, quis saber quem era e mais curiosa ficou quando lhe disse que ele era conhecido pelo “aviador”. Insistiu para que lhe explicasse a razão daquela alcunha e quase morreu de riso quando lhe contei que aquele nome era devido ao facto de ele, certa noite, ter entrado no 2º andar de uma casa, a convite de uma senhora casada que por ele se apaixonara, sendo ambos surpreendidos pelo marido que, pelos vistos, regressara a casa mais cedo do que ela e o amante contavam. Para evitar males maiores, lançara-se por uma janela que dava para as traseiras, em voo picado, aterrando no quintal, sem ferimentos graves, mas o barulho alertou os vizinhos que o identificaram.
Ainda a Branca procurava abafar o riso que a situação lhe provocara, quando, nem de propósito, entrou no café, uma avantajada senhora, ricamente vestida e usando joias vistosas que também ao passar por mim, me cumprimentou muito cordialmente. A Branca, certamente pensando que estava na noite das surpresas, logo que aquela senhora se despediu, quis saber quem era, tanto mais que vira na minha expressão e ligeiro sorriso que alguma coisa me lembrara. Matei-lhe a curiosidade dizendo que aquela senhora, de nome Bélita, era viúva de um professor, muito boa pessoa, mas ao tempo que ambos eram novos e davam aulas no Liceu, ele não conseguia manter a disciplina. A Bélita que, na altura, era elegantérrima e vestia-se de forma a fazer sobressair as curvas do seu corpo espectacular, musa inspiradora de muitos sonhos pecaminosos, os alunos mais atrevidos, tudo faziam para servir de chacota. Lembro-me até de, a certa altura, terem pendurado na janela do quarto em que dormia a Bélita, um grande cartaz em que escreveram: “Dá Deus nozes, a quem não tem dentes”, o que ia provocando um ataque de coração ao noivo. A Branca quase caiu da cadeira, sufocada com um ataque de riso e ainda mais se riu quando lhe contei que o professor que havia de ser marido da Bélita, numa aula em que imperava o silêncio, deu um salto na cadeira em que se sentava à secretária, ao ouvir um estrondo provocado por um paralelo da calçada, ao ser lançado, com toda a força, para o chão. O professor indagou o que tinha acontecido e o autor da proeza levantou-se e disse que tinha deixado cair a borracha ao chão, o que provocou uma onda de gargalhadas que ainda aumentaram quando o professor disse “Vê lá se tens mais cuidado”.
Fazia-se tarde, a Branca disse que tinha de se recolher, pois no dia seguinte passaria a manhã a trabalhar na Universidade e depois do almoço que tomaria na cantina iria para o aeroporto de Pedras Rubras, para regressar à sua terra, mas que me telefonaria antes de embarcar para se despedir de quem lhe proporcionara tantos momentos de descontração e alegria. E assim aconteceu.
No dia seguinte, a meio da tarde, recebi um telefonema da Branca, com uma voz diferente, dizendo-me logo que eu nem poderia imaginar o que lhe aconteceu. Contou-me então que mal chegara à Residencial se deitara, mas não conseguia adormecer porque no quarto ao lado tinham o som da televisão muito alto, o que a levou a dar umas pancadas na parede. Qual não foi o seu espanto quando, passados alguns minutos, lhe bateram à porta do quarto. Vestiu o roupão e abriu a porta, deparando com um sujeito que nunca tinha visto. Perguntou-lhe o que ele queria e ele respondeu: “Ouvi o seu sinal na parede e cá estou eu para lhe fazer companhia”. A Branca disse que ficou aterrada e segurando bem a porta, quase lhe gritou que se tratava de um equívoco, pois as pancadas eram para que baixasse o som da televisão, não eram nenhum convite, fechando rapidamente a porta e trancando-a com uma cadeira. Eu nem sabia o que dizer. Pedi-lhe para que esquecesse o incidente e fizesse boa viagem, o que ela agradeceu e desligou. No entanto, estive quase para lhe dizer que poderia ter recitado ao intruso a seguinte quadra:
Se pensas que pensei em ti,
Penso que pensas mal,
Nunca em ti pensei,
Nem penso, pensar em tal.

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