A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2019-09-30 às 06h00
Num país muito longínquo, morava um homem conhecido por Pisca. Vendia e consumia estupefacientes. Na verdade, o consumo ultrapassava largamente as vendas que fazia e isso atormentava-o bastante, porque não havia dinheiro que chegasse para pagar a quem lhe entregava regulares doses. Até que, durante um repasto na casa da irmã, o sobrinho entrega-lhe a solução para a sua tormenta: Tancos. Lá estava depositado abundante material bélico. Completamente desprotegido. Espetacular!
Era uma vez um rapaz que insistia em viver nas margens. Os seus amigos também não cultivavam bons costumes. Este moço, algo dependente do consumo de droga, vivia angustiado com as dívidas que o vício ia adensando. A irmã procurava ajudar, abrindo-lhe habitualmente a porta de sua casa para refeições reparadoras. Num desses dias, a televisão, sintonizada nas notícias, fala de terrorismo. O sobrinho, que andava a fazer trabalho militar em Tancos, diz que o país estaria vulnerável a um ataque assim e nem seria necessário transportar armas de fora. Bastava, à noite, passar pela sua base militar. A cabeça de Pisca iluminou-se. Estava ali uma oportunidade. Fala com o seu amigo a quem devia dinheiro que apressadamente junta mais companheiros para o assalto. De sul poderia vir o Fechaduras, outro amigo conhecido por abrir qualquer porta. Tudo parecia estar a correr bem.
No entanto, vivendo mais longe, Fechaduras não estava apaziguado com a ideia de se envolver noutro assalto. Tinha prometido à mãe que se iria afastar de qualquer caso de polícia. E ali estava ele quase a protagonizar mais um roubo. Tinha de se afastar daquela vida. De repente, lembrou-se da última vez que esteve em tribunal. Nessa altura, uma procuradora deu-lhe um número de telefone. “Mude de vida”, dissera-lhe ela. “Se precisar da minha ajuda, ligue-me”, rematara, ao mesmo tempo que lhe entregava um papel onde rabiscara uns números. Tinha gostado da mulher. Pegou no telefone e ligou-lhe. Contou-lhe por alto os planos dos amigos. Dada a descrição ser tão genérica e na ausência de qualquer ponto geográfico, a magistrada não conseguiu situar no mapa aquele perigoso plano. Telefona à PJ. O inspetor diz que o caso exige outra atenção. E contacta um juiz para que este autorizasse escutas telefónicas ao bando. Nem pensar, determinou o magistrado, orgulhoso de mais uma decisão a favor dos direitos dos cidadãos.
Ainda que o Fechaduras tivesse decidido ficar para trás, o grupo lança-se, numa dessas noites, para Tancos. Os dois carros avançam com os faróis apagados até perto da zona dos paióis. Da lado de cá da cerca, ficará um deles. A vigiar a estrada. Os outros saltam para dentro da base militar. Tudo corria melhor do que o esperado: as proteções estavam danificadas, não havia ninguém na torre de vigia, as câmaras de videovigilância continuavam estragadas, os homens da ronda tinham ignorado essas obrigações naquela noite e a única luz que ali havia chegava a partir da lua. Facilmente arrombaram as portas dos paióis. Havia muito material para transportar. Apanharam carrinhos de mão que permaneciam por lá esquecidos e lá os foram carregando com armas e munições. Haveriam de fazer o percurso até aos seus carros por cinco ou seis vezes. Já cá fora, e sem ninguém ter visto nada, lá foram sossegadamente até ao seu esconderijo. O assalto haveria de ser conhecido dois dias depois.
Poderia esta ser uma aventura que começaria com a expressão “era uma vez” e terminaria com “vitória, vitória. Assim terminou esta história”. Mas assim não é a realidade. Este assalto aconteceu a 28 de junho de 2017. Provocou uma guerra entre polícias. Envolveu a classe política. E agora é um caso de justiça. Que está a ser esticado em plena campanha eleitoral. No entanto, há que não perder o foco: Tancos, onde estão guardadas as armas do Estado, permanece há muitos anos um terreno esquecido. E vulnerável. E a responsabilidade disso pertence a muita gente.
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