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Escreve-se mal, bem ou assim-assim?

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Escreve-se mal, bem ou assim-assim?

Voz aos Escritores

2018-05-25 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

A culpa é do Ferdinand de Saussure. Hoje já ninguém confunde os conceitos de língua e de fala, e todos compreendem a insinuação de que há uma gramática da fala distinta da gramática da língua e que, portanto, nos situamos em níveis diferentes quando conversamos sobre questões mais ou menos literárias. Que houve (e continua a haver, em alguns contextos culturais) uma literatura oral é uma evidência. O contador de lendas e de mitos teria com certeza uma voz adequada e falaria bem, signifique falar bem o que quisermos que signifique. Há muita gente iletrada, ou quase, que fala muito bem, isto é, que transmite de forma rigorosa as mensagens que quer transmitir, cumprindo assim atos inquestionados de comunicação. Escrever bem situa-nos noutro registo, que implica, não só a gramática da fala, isto é, a gramática com que nascemos e com a qual evoluímos ao longo da vida (gramática generativa dixit), mas, ainda, o conjunto de regras, ou códigos, de escrita, que passam por imposições estabelecidas em acordos gráficos, em gramáticas normativas, e que implicam um conhecimento vasto de representações do léxico, de sinais de pontuação, de estruturas sintáticas e de conhecimento semântico. Escrever bem, dizem, não é para todos.

Escrever bem um texto utilitário, um romance, um poema, continuam a dizer, é, por extensão, ainda para menos. Num belo dia do passado, Marcel Duchamp teve uma iluminação: representou um mictório e, com tal representação, alterou os caminhos da arte pictórica. A partir desse momento, qualquer objeto da realidade pode ser representado artisticamente. E tem-no sido, com Picasso, Dali, Warhol ou Britto. No âmbito literário, Cesário Verde e António Aleixo mostram não ser necessária uma grande obra ou grandes conhecimentos linguísticos para que a imortalidade aconteça. A ideia de que se escreve muito mal o português é corrente e potencia críticas de ordem fundamentalmente sociológicas. Pessoalmente, não embarco nessa nau. Ao contrário do que acontecia no passado, a maioria dos portugueses está hoje bem escolarizada, domina, mais ou menos bem, os códigos de escrita e possui um substrato cultural sem paralelo noutros tempos.

A inscrição em redes sociais que facilitam a intercomunicação desinibiu os portugueses que, de forma surpreendente, escrevem textos onde expõem as suas emoções, os seus sentimentos. Por razões de facilidade editorial, cumprem-se hoje sonhos outrora impossíveis de cumprir. Escrever um livro e publicá-lo tornou-se, para alguns, um objetivo vital, símbolo de realização pessoal plena. Do ponto de vista das grandes editoras e dos escritores com algum nome na praça, este facto é péssimo, pois rebaixa a qualidade literária e estraga o negócio. A proliferação de editoras que não aferem a qualidade das obras a editar contribui para um decréscimo do valor literário e valida a crítica. Descobrir, no emaranhado produtivo, um escritor de valor, é, hoje, tarefa gigantesca, facto que se alia a uma ausência incompreensível de crítica literária. Talvez com esta crítica se limassem as redundâncias e os clichés, os plágios recorrentes, e se cultivasse mais o respeito pelo autor, isto é, uma ética da produção literária. Estou certo de que, com base em valores éticos respeitados por todos os que pensam e escrevem em língua portuguesa, a explosão da redação e da publicação literária se tornarão um fenómeno importantíssimo para o aprofundamento linguístico, para a boa e correta escrita e, consequentemente, para a difusão universal do nosso belo idioma.

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