Enfermeiros portugueses em convenção internacional
Voz às Escolas
2024-11-06 às 06h00
Muito antes de ser diretor, assumi, com profunda honra, em pleno raiar do novo século, aquela que todos asseveravam ser das mais nobres missões: formar as gerações de amanhã, garantindo o Portugal do futuro. Mas eu, professor, me confesso que foi também aí, nesse mesmo dia 1, que a realidade teorizada (ou embelezada) durante a minha formação começou a divergir, paulatina e irremediavelmente, daquela percecionada no terreno, anulando, sem mais, parte da visão romântica que até então associava à docência. Um devaneio, portanto. Uma espécie de sonho irreal e, assim, sem corpo. E um sonho sem corpo é como um corpo sem vida: é a ausência, é o vazio, é o nada. É tudo aquilo que a Escola não pode ser, mas tem sido. Uma manta de retalhos legislativos sob permanente crítica e suspeição por tudo, por nada e por todos. Um simples peso para um Estado que não pesa nem considera o seu próprio futuro. No entanto, o amanhã não é agora, certo? Logo, não interessa. Quem vier que feche a porta. Até lá, que seja o que Deus quiser. Ou o que o milagre da multiplicação for permitindo...
“É um novo paradigma, ao qual as escolas e os seus profissionais têm que se adaptar”, atiram os mais ilustres pedagogos cá do burgo que, refugiados nos seus bunkers teóricos, urdem as mais rebuscadas e convenientes teorias do “eduquês”. Bonito, mas diretamente para a banca- da.
Na verdade, o que se constata, in situ, não é apenas uma alteração de paradigma, consequência natural da incessante dinâmica deste admirável mundo novo, antes o forjar de um novo e perverso paradoxo: menos recursos, mas mais e melhores resultados.
Algo numa lógica de produção em série, mecanizada, impessoal e puramente matemática, subordinada a conceitos mais próximos da produtividade industrial do que de princípios pedagógi- cos. Ou seja, tudo aquilo que a Escola não pode ser, mas que tem sido, mais por obra do “ocaso” financeiro das últimas décadas do que por mero acaso.
A Escola Pública passou, assim, de prioridade a defender, a lastro a combater, emagrecen- do-a até a tornar funcionalmente anorética. E como é que se emagrece um sistema de ensino? Corta-se arbitrariamente no seu principal gasto. Professores, leia-se. Apesar disto, hoje abre-se a boca de espanto perante a ausência de candidatos à docência que garantam a renovação geracional necessária, ou, como mínimo, o suprimento das necessidades decorrentes das mais do que esperadas aposentações.
Durante (demasiados) anos, Portugal assistiu, cúmplice, conivente e em silêncio, a uma espécie de histérica catarse colectiva de quem vê nos professores a raiz de todo o mal e que urge extirpar. Isso eu rejeito. Percebe-se, para os lados de S. Bento, um esforço de inflexão desse caminho, já iniciado no governo anterior. Não obstante, persiste, sem qualquer contraditório visível, a campanha de achincalhamento público, de ridicularização e de desvalorização da função docente, urdidos ainda no tempo do negro consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, com o único fito de desvalorizar para vender a preço de saldo, como ora se constata. Nem os excelentes resultados obtidos nos testes internacionais do PISA – muito acima da média da OCDE - demovem os detratores (se é bom, é falso!). Continuamos a ser os "miseráveis, incompetentes, inúteis e parasitas bem pagos que exploram o sector privado e que não produzem coisa alguma”, e que “urge pôr na ordem”, pelo que não se percebe a enxurrada de deserções que hoje esvaziam o território educativo, fugindo dele e da sua dura realidade como o Diabo da cruz. Somos mercenários somente porque não somos abnegados missionários, nem trabalhamos apenas por vocação, mas pelo pão que temos que colocar na mesa. Que dislate o nosso!
Mas é literalmente isto que se volta a ler e a ouvir. E é assim que muitos alunos nos vêem, rejeitando (pudera!) qualquer miligrama de autoridade que arrisquemos impor. “Se ela (professora) te mandar fazer, manda-a f..., que eu depois resolvo”. E mandam, sem pestanejar. É o piso -1 da escala de dignidade profissional, mas a campanha continua. Ainda há muito para escavar...
Até quando? A que custo? Não basta, já?
04 Dezembro 2024
02 Dezembro 2024
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