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Eufemismos e disfemismos

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Eufemismos e disfemismos

Voz aos Escritores

2024-07-19 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

Leio num verbete qualquer que ninguém tugiu uma palavra depois da bronca. E fico a pensar na proficiência do verbo, que nunca ouvi assim isolado, e que ganha cidadania na expressão "sem tugir nem mugir", esta, sim, bem conhecida cá no Norte e, creio, em todos os espaços onde se fala a língua portuguesa. Não sei se nasceu eufemística tal expressão, mas sei que me ri a milhentas gargalhadas quando ouvi, em conversa emborcada a tinto carrascão, um "sem tugir nem mungir" dito em inocente projeção. Não se apercebera o Quim da diferença significativa entre "mugir" e "mungir", que salta do berro animal para a extração delicada do seu leite.   Quieto e calado ficou ele, ao aperceber-se da nossa reação.

Às vezes não é fácil apercebermo-nos da suavização linguística, correlativa da suavização emocional. Mas fazemo-lo de forma natural, pois natural é a aquisição vocabular. Posso afirmar sem grande rebuço que sou um verdadeiro locutor eufemístico. Conhecedor da força criativa e destrutiva das palavras, evito conscientemente ferir de alguma forma os sentimentos dos outros, ora pondo-me no seu lugar emocional, ora inferindo consequências de comportamentos que nem sempre conseguimos dominar. A máxima conversacional da sinceridade deve ser intrínseca ao nosso comportamento linguístico, mas todos temos a consciência da necessidade da sua lenição, ou mesmo omissão, em contextos específicos, sob pena de causarmos sofrimento desnecessário a outrem. Estou a pensar, por exemplo, nas vezes em que usei o verbo «morrer» durante toda a minha vida. Evito-o, e digo sempre «Fulano faleceu». Falecer é palavra mais suave, tal como mais suaves são as expressões eufemísticas «ir para o céu», «perder a vida» ou «descansar em paz».

Na escatologia cristã, no céu está Deus, e quando subimos ao céu descansamos na paz do Senhor. Noutros domínios semânticos, sabemos como amenizar, ou sopesar, o efeito das declarações. Nos dias atuais, com tantas e vertiginosas alterações culturais, já poucos questionam a existência dos amantes, preferindo-os aos amigos coloridos, e muitos são os que correm aflitos para fazer as suas necessidades fisiológicas, evitando desta forma o rude e comum calão. Porque saltei há pouco de nível etário, e porque não me considero velho, passei a enquadrar-me jubilosamente no termo «terceira idade», e sentir-me-ei muito feliz enquanto não precisar de «cuidados paliativos». Saltitando de eufemismo em eufemismo, cavalgarei as palavras até ao meu momento final.

Não sem, entretanto, fazer a devida crítica ao mal-amado disfemismo, de que fujo como o diabo da cruz. E faço-o porque, tal como já disse, não gosto de ferir ninguém com as minhas palavras. Claro que há sempre a possibilidade de alguém interpretar à sua maneira tudo o que digo, mas aqui pouco poderei fazer. O que sei é que, por ser grosseiro, vulgar ou pejorativo, e por cumprir objetivos que se não coadunam com a minha maneira de ser, que não passa ridicularizar ninguém, ninguém ouvirá da minha boca frases como «Aquele fulano é um calhau com olhos», ou «Fulana tem um nariz de bruxa». Disfemismos deste jaez, não senhor. Quando muito, poderei usá-los inocentemente em contextos específicos, daqueles que por vezes metem mais um copo e um fado à desgarrada. Refiro-me ao «encher o bandulho», «morrer na praia» ou «cair no conto do vigário».

Às vezes acontece, mas perdoamos, por mor da pinga. Aprendi nestas coisas da linguística, mais concretamente com Searle e Austin, que devemos pensar sempre em algumas palavras que são sagradas em todos estes contextos. Intenção e emoção, perspetivas e valores, controlo das emoções, empatia e respeito, tudo deve comandar a nossa ação no sentido do Bem. Se os eufemismos e os disfemismos forem usados nesta condição, que as palavras vivam e nos façam sempre felizes.

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