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Europa a olhar para trás

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Europa a olhar para trás

Ideias

2025-02-06 às 06h00

Bruno Gonçalves Bruno Gonçalves

Desde a grande crise financeira que as expectativas para o futuro são menos otimistas. Tal acontece por vários motivos, desde a imprevisibilidade dos cenários macroeconómicos e medo dos consumidores, ao frágil crescimento das economias e ao aumento das desigualdades, com os salários das classes médias e trabalhadoras a ficar para trás, na comparação com o grande espólio da globalização, concentrado nas mãos de poucas multinacionais e fortunas pessoais. É assim que, a pouco e pouco, se tem vindo a instalar no Ocidente, e em particular na Europa, o receio da decadência.
Este descontentamento tem sido gradualmente captado e instrumentalizado por movimentos políticos de extrema-direita, através de uma retórica e abordagem nacional-populista. Em imitação a outros no século passado, emergentes no final da década de 1920 e inícios da seguinte, apresentam premissas simples que mascaram de soluções: sobretudo a pura culpabilização dos outros, apontando o dedo aos imigrantes, aos desempregados, ou aos políticos. Mas será que as nações orgulhosamente sós estarão melhores? E será que esse é o caminho para retomar a “grandeza do passado”?
Os sintomas descritos acima são consequência das mudanças no Mundo e da nossa dificuldade em nos adaptar. A Europa, potência que ocupava os terrenos mais férteis e ricos em matérias-primas por via da força bruta, assumiu (e bem) a descolonização como imperativo moral. No rescaldo, foi confrontada com a dura realidade da sua pequena dimensão: desde a extensão territorial, à falta de recursos energéticos. Uma parte do nosso sucesso passado, há que admitir, foi determinado pela subjugação de outros povos a servir as capitais de vários impérios sediados na pequena península continental que é a Europa Ocidental.
Ainda assim, durante a segunda metade do século XX, os povos europeus puderam experimentar um modelo de vida que jamais haviam visto: a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e, mais tarde, da União Europeia permitiu que um continente de permanente guerra virasse um continente de paz e que direitos para poucos se transformassem em direitos para todos. A Europa de diferentes povos e culturas que passaram a dialogar, a negociar e a partilhar inovação.
O continente tinha, nesse momento, um quadro político que permitia, coletivamente, encarar olhos-nos-olhos o seu principal aliado e líder mundial - os Estados Unidos da América.
O que aconteceu com a viragem do milénio foi, infelizmente, algo para o qual os europeus não estavam preparados. Com a estabilização territorial do continente asiático, o seu crescimento populacional e a sua entrada de rompante no comércio global, a China viria a ganhar relevância económica, tornando-se a “fábrica do Mundo” graças à deslocalização em massa da produção industrial. Embora mutuamente benéfica no seu princípio, esta nova dinâmica nas cadeias de produção e comércio global viria a contribuir para o eclodir do período que atualmente atravessamos.
É assim que chegamos ao ponto de inflexão: à medida que os produtos chineses assumem a dianteira das economias emergentes (na América Latina, em 2024, o comércio de produtos da China ultrapassou o dos EUA, ao mesmo passo que o fez em África com os Europeus) vão melhorando umas relações e outras, por força da natureza e do tempo, tornando-se menos relevantes. A Europa, já prejudicada com o processo turbulento do Brexit, perdeu espaço nas relações económicas com essas geografias e a vulnerabilidade do nosso tecido industrial ficou exposta. Mas, ao longo deste processo, também não ajudou alguma ingenuidade da União Europeia.
Por um lado, as elites europeias subscreveram, de forma maioritariamente acrítica, as teorias neoliberais sobre o caminho inevitável entre abertura comercial e adoção de princípios democráticos - convicção que também facilitou a adesão da China à Organização Mundial do Comércio, apesar desta não garantir o cumprimento de todos os critérios. O nosso mercado interno foi aberto ao Mundo, permitindo condições de igualdade a todos os concorrentes, sem assegurar devidamente que as empresas europeias beneficiavam do mesmo tipo de tratamento no acesso a mercados externos.
Por outro lado, mais recentemente, a incapacidade de conseguir encontrar o necessário equilíbrio entre custo-benefício. Tal manifesta-se, por exemplo, na decisão catastrófica da Alemanha em aceitar uma dependência energética brutal da Rússia, que fez disparar o impacto económico da guerra na Ucrânia. Mas também na persecução da política climática: atingir as metas exigiria sempre ambição (e bem), mas a produção legislativa foi incansável e, em certos casos, desproporcional face aos ganhos.
Chegou ao ponto de, imaginemos, exigir a pequenos produtores de calçado em Guimarães ou Felgueiras a certificação que as matérias-primas oriundas do Sudeste Asiático foram exploradas de forma socialmente justa...
Contudo, hoje o risco de ingenuidade é outro. É alinhar com Donald Trump e a sua trupe de novos isolacionistas, fechar fronteiras a tudo e todos, sem distinguir entre aliados e rivais - como se fechar os olhos e ignorar a realidade à nossa volta fosse sinónimo de ter resolvido um problema.
Mas não cair no mesmo erro do seu principal aliado não basta. É preciso ser proativo e não olhar para a Presidência de Trump como um mero interregno, como se tudo voltasse ao normal com a sua saída da Casa Branca. Não será assim. O novo Mundo já não é o da unipolaridade e não há nada que o faça antecipar num futuro próximo.
A solidão pode provocar menos “chatices” no início, mas é uma condenação de onde dificilmente podemos sair. Os melhores tempos para os Europeus, tal como para os americanos, foram sempre de paz, aqueles em que melhores relações cultivámos com outros povos.
O desafio é conseguir reconstruir as bases da nossa política económica e comercial com determinação para proteger as condições dos trabalhadores europeus, as regiões mais prejudicadas pela globalização e a competitividade da nossa indústria, ao mesmo tempo que reforçamos parcerias internacionais com países amigos.
Nem ficar presos à defesa de uma ordem global em recuo, nem sucumbir ao impulso nacionalista.
Talvez não seja possível um amanhã perfeito, mas sei que o melhor que conseguirmos só virá de um esforço coletivo da União Europeia. Com empatia, seriedade e realismo.

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