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Expropriação e espaço público...

A Economia não cresce com muros

Expropriação e espaço público...

Ideias

2019-02-25 às 06h00

Filipe Fontes Filipe Fontes

Há palavras que são, consensualmente, tidas como positivas e de boa repercussão para todos nós. “Espaço público” é disso exemplo (afinal, é o espaço de todos e para todos onde a comunidade melhor se expressa e encontra). Há palavras que são, por força da sua natureza e impacto, temidas e vistas negativamente. “Expropriação” é de tal exemplo (afinal, representa retirar um bem de forma impositiva mesmo que em troca de uma indemnização). E há relações de palavras que são, tantas vezes, simplesmente, improváveis.
A relação “expropriação” e “espaço público” é uma desses casos que se julga de tão difícil admissão quanto de aceitação e compreensão. Afinal e aparentemente, tudo se condensa numa contradição: uma apropria-se e retira bens, outra oferece espaço e oportunidade. Uma é, por inerência, uma imposição. Outra, maioria das vezes, é um desejo e expressão de vontade comum.

Sendo percepção geral esta contradição, uma reflexão mais fina e atenta a esta relação não deixará de constatar uma dupla realidade: a expropriação (independentemente da sua natureza e método) tende para a disponibilização de meios físicos para a criação de espaço público, seja ele em formato aberto e “exterior” (como praças, jardins, ruas, …), seja em modo edificado e “fechado” (como edifícios, equipamentos, …); a ocupação do espaço público desregrada e “a reboque” de “eventos, festas e associados” representa, tantas e tantas vezes, uma verdadeira expropriação desse espaço público, retirando-o da sua esfera de uso público e comunitário (ainda que temporariamente) para uma esfera, dir-se-á, privada e híbrida (mesmo que essas “festas e eventos” persigam, de alguma forma, oferta pública).
A expropriação é um acto impositivo da administração pública que visa alcançar bens importantes e indispensáveis à prossecução da construção do bem público em troca de uma indemnização.

Para muitos, um acto de forte imposição e limitação da liberdade e direito à propriedade. Para outros, ferramenta indispensável na sobreposição do bem público ao interesse individual e privado, a expropriação não deixa de ser o balanço entre um evidente e desejado interesse público (porque, caso assim não seja, será, de facto, uma violação de direitos…) e um grau de discricionariedade que obriga à administração pública a cumprir, com zelo, competência e ética, três requisitos: explicitar, fundamentar e indemnizar: Explicitar o que se pretende atingir, como, porquê e para quê. Fundamentar o porquê daquela opção e o balanço feito aos cenários alternativos possíveis. Indemnizar no justo e real valor do bem. Só assim será possível mitigar o impacto da expropriação sobre quem dela é objecto. Só assim o espaço público gerado será verdadeiramente reconhecido como da comunidade.
Não sendo desejada, reconhece-se que a expropriação é ferramenta necessária, carecendo de equilibrado exercício para a sua repercussão benéfica para a comunidade.

Todavia, mais do que a expropriação como prática e oportunidade de caminhar para a construção do espaço público, chama a atenção a recorrente e proliferada expropriação “encapatoda” do espaço público, maioria das vezes, em nome de eventos, festas, práticas comerciais temporárias, áreas dedicadas a esplanadas, entre outras, que, ocupando o espaço público com “tendas, estruturas amovíveis, estrados e outros”, dominam e tomam conta do espaço público, coarctam a sua utilização livre e desimpedida por parte da comunidade, privatizando espaços antes intensamente usufruídos por todos, limitando movimentos, condicionando perspectivas visuais sobre o edificado (outra forma de espaço público), desregrando aquilo que é de todos nós, retirando esse bem de todos nós em favor de uma “indemnização” que mais não é do que um evento, uma festa, algo que, tantas vezes, nem é para todos (porque de interesse limitado e focado), tantas vezes tão prejudicando com ruído, movimento e estacionamento de veículos pesados, sombra, entre outros. Sim, muito embora estas “festas e eventos” possuam o chamado “carácter público” (ou melhor, assim o dizem…), as mesmas representam, na verdade, o condicionamento do espaço público e “eu, cidadão”, deixo de ser livre para usufruir do que é meu por direito, porque membro da comunidade!

Porque as cidades se transformam (cada vez mais) em palco de festas e eventos e porque a estas festas e eventos se associam sempre necessidades de centralidade, movimento de pessoas e infraestruturas (e, portanto, maioritariamente, sendo eleitos espaços públicos de referência), o espaço público vai sendo tomado e ocupado (de forma tão sucessiva que chega a aparentar permanência e perenidade), num processo que se traduz, na prática, numa verdadeira expropriação do espaço público.
Noutra perspectiva, e a título de exemplo, poder-se-ia abordar a ocupação das esplanadas e os seus estrados e estruturas que “chegam ao espaço público e vão ficando… até ficar”. Mas o texto “vai longo” e, na essência, importa reconhecer a importância do espaço público na cidade. E que se há valor na cidade que não pode ser relativizado, “despriorizado” e banalizado, esse é o espaço público. Porque, a riqueza de uma cidade mede-se pela qualidade do seu espaço público. E do quanto a população se revê nesse mesmo espaço público. Ou seja, o quanto a comunidade faz do espaço público casa de todos nós!

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