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Fala-me de Amor

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Fala-me de Amor

Voz aos Escritores

2025-02-14 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Tu, homem, que nasceste de uma mulher em cujos seios bebeste a seiva da vida e no materno regaço aconchegaste a meninice e o medo, fala-me de amor.
Tu, homem, de corpo maior e mais musculado que o meu, ensinado à superioridade por atávicas normas sociais e religiosas, risca o que te incutiram e vê-me ao teu lado, nunca de cima, nunca tu à frente, jamais eu atrás na indignidade daqueles a quem roubaram o caminho, o alento e os próprios passos.
Nos corpos femininos espancas os vícios e os medos, corpos de vaginas retalhadas, carnes do teu deleite e das tuas frustrações, corpos onde medram as sementes que lá plantaste e que tantas vezes morrem a dar vida, e é nesses corpos, homem, que morres e renasces a cada cobrição.

Tu, homem, não me abafes as palavras, beija-mas nos lábios sem mordaças, não me encarceres em burcas e prisões húmidas e frias, não me cales a liberdade nem me guilhotines os cabelos, tu, homem, não me estupres os direitos, eu sou o grito das subjugadas, das chicoteadas, das violadas, das de genitais vasculhados e mutilados, amputadas do prazer sujo apanágio teu, tu, homem, alimentas-te do teu medo da desonra, do teu medo da rejeição, do teu medo da crítica e no teu medo o sofrimento que me infliges e me castra impunemente.
Tu, homem, que comigo edificaste o lar porto-de-abrigo, não o transformes em toca de horror, os teus ciúmes não são provas de amor, as tuas iras não são demonstrações de adoração, sequer os teus prantos de arrependimento, eu não te pertenço, ouviste, eu não te pertenço, o meu corpo um santuário a ser venerado, nunca conspurcado.

Aprende, homem, a estender-me a mão na gratidão e na ternura da carícia, eu dar-te-ei a minha na consumação da união, a minha mão cansada que te alimenta de pão e te afaga de compreensão, a mão que te ergue dos tombos e dos arremessos do mundo e no despojamento dos simples te oferta a maçã como Eva fez a Adão, não por pecado nem tentação, mas na comunhão do fruto permitido e na dádiva da vida matrimonial.
Entende, homem, eu não sou carne da tua carne, não sou sangue do teu sangue, o sangue que escorre e macula a minha pele violácea, o sangue derramado pela fúria das tuas mãos de carrasco que se escoa em rios de morte e solidão.

Ouve, homem, estás a ouvir? Olha os teus filhos e não os instruas na cartilha do algoz, olha as tuas filhas e não as permitas servas dos másculos, ouve, homem, escorraça os pavores e dá-lhes ensinamentos de respeito, dá-lhes o exemplo da rectidão, o mundo divide-se em masculino e feminino mas essa repartição não pressupõe desigualdade nem humilhação.
Tu, homem, que te sentes ameaçado no trabalho pela nossa competência, empenha-te e preservarás o emprego, quiçá o melhorarás, e agradecerás o ganho do nosso labor infindo e connosco repartirás as canseiras.
E no fim de cada dia, tu, menino pequeno em corpo de homem agigantado pelos mandos absurdos do mundo, vens a mim e sussurras-me serenidade, embalas-me nos sonhos dos teus braços e falas-me de amor, jamais de dor e de terror.

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