“Marca própria” em tempos de pandemia
Ideias
2021-02-26 às 06h00
Nos tempos que vamos passando, parece um paradoxo, quase mesmo uma provocação o título e o tema desta breve crónica. A generalidade das mensagens que vamos recebendo pelos media e pelas redes sociais, sublinha uma abordagem pessimista, que de certa forma acompanha a cultura portuguesa, ciosa de uma insatisfação original latente no inconsciente coletivo. A força do “destino” representou sempre um papel primordial em Portugal, enquadrando o mito de um país que remete a sua identidade para um conjunto de milagres ao longo da história. Logo no início dos Lusíadas, Camões faz intervir o Concílio do Deuses, para decidir se os portugueses devem ou não conseguir alcançar o seu destino.
A questão não é fácil, a discussão é viva, mas Júpiter defende que sim, porque isso lhes está predestinado, ainda que para tal peça a benevolência dos deuses, fazendo “valorosa a fraca gente”.
O estudo da felicidade tem vindo, nas últimas décadas, a ser abordado pela ciência económica. Para aqueles que se interessarem por este tema, desde os anos 90 que o número de estudos tem aumentado, tanto em termos meramente teóricos, que em termos empíricos, abordando países e abordagens diferentes. Há até quem defenda que a economia devia tratar exatamente da felicidade individual (Frey and Stutzer, 2010). No que diz respeito aos fatores sócio-económicos, parece que as mulheres tendem a ser mais felizes que os homens, e os jovens e idosos mas felizes do que aqueles que estão a meio do percurso de vida. Outros estudos confirmam que o dinheiro ajuda, mas não é a fonte da felicidade; aliás, acima de um dado valor limite, que é variável, pouco ou nada acrescenta em termos de felicidade. Ter emprego faz toda a diferença. As condições particulares do emprego, o stress no local de trabalho, as relações interpessoais com os colegas, familiares e amigos. Também existe diversa evidência recente que suporta a ideia que o grau de liberdade individual acresce a noção de satisfação com a vida. O certo é que a felicidade, ou melhor dizendo, o nível de bem-estar é uma componente essencial da economia e da sociedade, para a qual contribui também fatores como a qualidade da governação ou o grau de confiança nas instituições. Mas depende também da cultura, da força das sociedades civis, da sua capacidade para estabelecer pontes e redes, de acreditar que é possível. Como dizem Layard e Ward, é necessário acreditar que as pessoas conseguem ser mais felizes colaborando positivamente para a felicidade dos outros.
Recentemente, a OCDE tem defendido a ideia que os decisores públicos devem investir no potencial das pessoas para criar as condições chave para promover o crescimento económico. Só desta forma, se poderá gerar um ciclo virtuoso de uma economia de bem-estar, onde o crescimento económico e a felicidade atuem simultaneamente e no mesmo sentido, reforçando-se entre si. Quais os instrumentos fundamentais? Mais educação e melhores qualificações vem logo na primeira linha. O nível educacional acresce anos de vida, permite melhores condições de emprego ao longo da vida e acesso a rendimentos mais elevados. A Covid 19 tornou percetível o impacto negativo de rendimentos e níveis educacionais mais baixos, mas ele já existia muito antes do confinamento – e vai continuar a existir, se esta perceção e as suas implicações não se tornarem determinantes em termos das políticas públicas, e das escolhas individuais. A educação tem em si um valor extraordinário na criação de novas oportunidades intra-geracionais. É importante também induzir e reforçar a importância da aprendizagem ao longo da vida, num mundo onde o papel da inteligência artificial terá cada vez maior destaque.
Tem sido muito destacado o impacto negativo do confinamento sobre as crianças, afastadas das escolas, de um processo de socialização, de um processo tradicional de aquisição de conhecimentos. Mas seguramente muitos terão adquirido novas competências em termos de responsabilidade e exigência individual, de organização do trabalho, de capacidade de adaptação e resposta positiva a condições adversas, contribuindo para uma perceção positiva e ativa da importância da educação. E isso pode fazer toda a diferença no futuro. E já comprovamos também a importância de outros fatores determinantes da qualidade da vida: os cuidados de saúde, a proteção social e os instrumentos de redistribuição, e a igualdade de género.
Numa altura em que se discute o Plano de Resiliência, e se debate o futuro do plano energético , do papel da indústria ou da construção de infraestruturas, não esqueçamos estas noções que parecem básicas, mas que na verdade podem justificar a sustentabilidade das opções. Do futuro, portanto.
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